Gracilianos Ramos, o pesquisador

O Bairro de Bebedouro, em Maceió,por volta de 1930
Durante dois anos de pesquisa sobre Graciliano Ramos – o homem, não o escritor –, descobri uma personagem tão fascinante quanto a sua obra. Sim, despido de qualquer traço do autor, o Mestre Graça é digno de um grande romance. Ateu, tinha a Bíblia como livro favorito; um escritor que sabia lidar com a palavra, mas era desbocado; homem seco, que brigava com todos em Palmeira dos Índios, mas muitas vezes o fazia como um pai que briga com o filho, com ares de proteção. O mesmo cuidado que tinha com a palavra, tinha com a pesquisa antes de escrever seus livros. Visitou, por exemplo, o velho bairro de Bebedouro, em Maceió, perambulando pelas ruas, muitas vezes à noite, para captar o clima de Angústia, seu terceiro romance, publicado em 1936. “A casa era em Bebedouro, pequena, isolada. Julião Tavares chegava alta noite, entrava, demorava-se duas horas. Afastava-me, para não despertar suspeitas, mas à saída andava por ali e distinguia um vulto que tinha a gola do paletó erguida e evitava os pontos iluminados. Havia raros transeuntes, e a ligação durou pouco, não chegou a dar nas vistas”. A pesquisa de campo – aliada ao apuro estilístico – contribuiu para a obra ser o que é. Aliás, Graciliano Ramos gostava de ir fundo nas pesquisas para cada livro. Em Caetés, seu romance de estreia, ele beijaria o pescoço da irmã desprevenida para simular a ação entre João Valério e Luísa: “Luísa quis mostrar-me uma passagem no livro que lia. Curvou-se. Não me contive e dei-lhe dois beijos no cachaço. Ela ergueu-se, indignada”. Por conta do distanciamento histórico, há muitos mitos envolvendo a personagem de Graciliano Ramos. Atualmente, na Casa-Museu em Palmeira dos Índios – onde o escritor morou com a mulher Heloísa Ramos – um dos objetos expostos é a máquina de escrever que teria sido utilizada por ele. Na verdade, Graciliano Ramos tinha aversão ao instrumento – seus escritos eram datilografados por uma secretária e até pela própria Heloísa Ramos. Mas há casos importantes envolvendo o instrumento, recuperado já nos anos 1980, por ‘seu’ AD Lima, mecanógrafo há quase sete décadas, ainda residente em Palmeira dos Índios. Mas esses casos são pequenos diante do mito.

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    # by Agamenon Magalhães Júnior - 6:37 PM

    Nealdo,
    Belo texto, bem-acabado e informativo. Também acho que Graciliano deveria ter uma biografia mais detalhada. Ela foi tão grande como escritor que deixaram sua interessantíssima vida um pouco de lado.