Fanáticos

Estavam discutindo para saber quem era o mais flamenguista dos dois. Ninguém no bar entendeu o motivo dos ânimos exaltados, mas a verdade era uma só: o barulho estava chamando mais atenção do que os pôsteres da Juliana Paes seminua espalhados pelas paredes do estabelecimento. O Amadeu disse que era tão flamenguista que criava um urubu de estimação, o Dinamite, que comia na mão e – há quem diga – chorava quando ouvia o hino do Flamengo. “Dinamite era jogador do Vasco”, atalhou o Braga. “E há maior prova de amor ao clube do que humilhar o adversário dessa forma?”, emendou o Amadeu. O Braga não se deu por vencido – até porque, disse, flamenguista que se preze nunca se dá por vencido. “Tenho o autógrafo dos melhores jogadores do Flamengo. Os melhores, está ouvindo? Zico, Adílio, Andrade, Nunes, Rondinelli, t-o-d-o-s”. “Mas não tem o do Vantuil”, não se fez de rogado o Amadeu. “O Vantuil jogou apenas um jogo no Flamengo. Era um desconhecido”, tentou diminuir o outro. “Mas era analfabeto de pai e mãe. Consiga arrancar um autógrafo de quem não sabe escrever”. Por um instante, o Braga ficou pensativo. Mas não abandonou a peleja: “Meu papagaio canta o hino do Flamengo”, falou. “É a coisa mais fácil do mundo. Todo mundo que tem papagaio o ensina a cantar algum hino. É, por assim dizer, o A E I O U do papagaiês”, atalhou o Amadeu, antes de arrematar: “Eu tenho melhor: uma gravação do Peu cantando o Hino do Flamengo. Mas não essa versão do Lamartine Babo, não senhor, que toda criança canta. Eu falo do hino oficial, do Paulo Magalhães”. O Braga se enfezou. “Hino cantado por pessoa é mais fácil do que cantado por papagaio”, bradou. “Fácil se o Peu não fosse gago”, valorizou. O Amadeu era macho, pensaram os outros machos espalhados pelo bar. Iam se levantar para aplaudi-lo quando entrou uma mulata furiosa bar adentro, à procura do Amadeu. “Não tem vergonha de ficar bebendo até essa hora? Esqueceu que tem família, filhos, mulher?”. Os outros machos se sentaram, se esconderam por trás dos copos de cerveja. O Braga teve vergonha pelo amigo. Sabia que a pior humilhação que um homem poderia passar na vida era ser retirado de um bar pela mulher, diante de todos. “Ou você vai pra casa agora ou eu não me chamo...”. "Alto lá!", bradou o Amadeu. Silêncio nervoso no bar, intercalado por goles igualmente nervosos de cerveja. “Quem você pensa que é?”, perguntou para a mulher, sem tirar o olhar do Braga. “Teresa. Tinindo de raiva de você”, respondeu. Calado, o Amadeu se levantou, olhou para a mulher, varreu com o olhar todo o bar e arrematou para o Braga. “Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Teresa”. E foi feliz pra casa.

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    # by Anônimo - 2:47 PM

    Impressionante. Você consegue transformar uma simples conversa de bar em uma badalada comunicação, com direito a um humor fantástico, fruto de sua identidade, como posso perceber no seu blog. Muito legal...!
    Parabéns!

    Lis

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    # by Carlos Nealdo - 3:12 PM

    Valeu pela visita, Lis. Apareça mais vezes.

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    # by Anônimo - 3:34 PM

    Faz um "certo tempo" que ando por aqui. A coragem apareceu hoje. :)
    Lis

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    # by Carlos Nealdo - 3:42 PM

    Então eu devo agradecer a sua coragem também.
    Beijo.

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    # by Anônimo - 4:00 PM

    Bastante estimulante o seu agradecimento.
    Muito Obrigada! :)

    Lis

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    # by Anônimo - 10:47 AM

    Hmmm...

    Rolou um clima aqui ou é impressão minha? Acho melhor o Nealdo revelar logo que é vascaíno. Vai que a Lis é rubro-negra!

    Em tempo: bela crônica, Nealdo. Parabéns.

    Marcos Hayun