Gênero de Necessidade Básica
Gafes são necessárias. Se não para quem as comete, pelo menos para quem é testemunha delas. Todo ser humano já cometeu uma na vida. E há quem já a tenha cometido na morte. Dos outros, é claro. O Arthur, por exemplo, é o que se pode chamar de "O Rei das Gafes" – o correto seria dizer "O Papa", se não fosse uma gafe se referir ao Sumo-Pontífice desta forma. O fato é que se fôssemos fazer uma analogia do Arthur com o outro rei, diríamos que ele estaria mais para a Távola Quadrada. De tanto cometer gafes, os amigos se esquivam em convidá-lo para os lugares públicos. E também para os privados. Porque, em se tratando do Arthur, a diferença entre lugar público e privado é apenas o número de testemunhas oculares da gafe. Na morte da mãe de um dos amigos da turma, hesitaram em chamá-lo. Mas você sabe como é, né? Amigos de infância, freqüentador assíduo da casa da morta etcetera e tal. Chamaram-no. Tão logo chegara ao velório, foi abraçar o amigo órfão. "E aí? Tudo bem?", sapecou. Olhar de reprovação da turma. O Arthur percebera que dissera algo que não devia. Mas tentou reanimar o amigo. "Coitada, morreu tão pálida!", disse, o olhar perdido no chumaço de algodão no nariz da morta. Silêncio mortal – o duplo sentido aqui é necessário. Retiraram o Arthur às pressas. "Você deveria procurar um lugar no chão para se enterrar, Arthur!", brigaram. "E vocês achavam que eu seria capaz de roubar o lugar da morta?". Não iria. Conhecendo o Arthur como a turma o conhece, o Arthur não se consertaria nunca. Nem morto. Ops! Na categoria das "Bolas Fora", há também as quase-gafes. Aquelas que ficam entre o deslize e a gafe propriamente dita. Se forem analisadas direito – e com uma certa dose de bondade – beiram o elogio. E disso o Thiago entende. Dia desses, enquanto bebia com a turma, viu duas mulheres lindas entrando no bar. "Olha que duas g-a-t-a-s!", cutucou o amigo ao lado. "Pô, Thiago, é minha irmã", lamentou o outro. "Tô falando da de vermelho". "É a minha namorada, cara", bradou. Gafes são necessárias. Há quem diga que sua existência remonta à criação do mundo. (Não, não foi gafe de Deus ter feito o homem primeiro e, somente depois, ter inventado a mulher. Experiências têm disso: faz-se primeiro o teste para, depois, se chegar à perfeição). Mas não tem quem me tire da cabeça que a criação de Eva foi a forma que Deus teve de legitimar a gafe. Como poderia Adão cometer das suas, se não havia testemunhas? Quando matou a serpente, por exemplo. Como poderia provar pra alguém que tinha matado a Tentadora da História, se não tivesse ninguém no Paraíso? "Olha, Eva. Eu mato a cobra e mostro o pau". E constrangida, Eva viu que era melhor usar folha de parreira. Não pegava bem para o único homem da Terra ficar mostrando a arma do crime assim, à toa.
This entry was posted on 16 de julho de 2007 at 3:32 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
# by Anônimo - 5:07 PM
Parabens... texto breve, mas expressivo... vc escreve bem.
WC
# by Thiara - 5:33 PM
Ninguém merece o Artur...
...
Acho q a folha não tinha relação com esconder a arma do crime mas era uma tendência da moda da época. Eva era uma revolucionária. Já entendia de desenvolvimenro sustentável.
# by Carlos Nealdo - 5:52 PM
Concordo com você, Thiara. A folha de parreira estava para a época como o pretinho básico está para os dias atuais.
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