Memória cinematográfica
Dizem que não costumamos lembrar com clareza de episódios que acontecem na infância. Tenho minhas dúvidas. E também minhas certezas. E é baseado nelas que confesso: tinha tudo para não gostar de cinema. Aos sete anos, meus pais me levaram para ver um filme pela primeira vez. Criança do interior – o máximo que tinha visto até então era TV em preto e branco, e na casa do vizinho – não via a hora de apreciar a novidade. Lembro do meu pai, fascinado por filmes do John Wayne, indo para o Triunfo – na época o maior cinema da cidade – e voltando com as histórias do cowboy, cada relato mais impressionante que o outro. Não conto quantas vezes dormi com os enredos saídos das tantas fitas assistidas por ele. De tanto ver meus olhos brilharem – entre um cochilo e outro – eis que um dia ele decidiu me levar para “o mundo das imagens em movimento”. Fui feliz, ao lado dele e de minha mãe. Na entrada, o cartaz com um macaco deste tamanho me chamou a atenção. “É o King Kong”, disse ele, se referindo a versão de 1976, dirigida por John Guillermin e estrelada por Jessica Lange, que eu nunca ouvira falar nem de longe nem de perto. “Conta a história de uma expedição que chega a uma estranha ilha, onde descobrem haver um gorila gigante, que resolvem capturar para ganhar dinheiro com sua exibição em Nova York”, leu para mim, no cartaz. Eu estranhei o tal “macaco gigante”. Até então, o maior símio que eu tinha visto na vida eram os sagüis que iam roubar goiaba no quintal lá de casa. Mas até hoje tenho dúvidas se sagüi pertence à família dos macacos. O fato é que entrei na sala de exibição pensando no tamanho do gorila. Quando me deparei com a imensidão da tela fiquei mais espantado ainda. “Vai ver que para um macacão caber aí, eles inventaram essa televisão grandona”, pensei. Para não perder nenhum detalhe, meus pais foram se sentar na primeira fila, o que deu à tela uma dimensão ainda maior. Fiquei hipnotizado com aquele espaço em branco, vez por outra olhando em volta, para ver se via o John Wayne. Por precaução, fiquei abaixadinho na cadeira, temendo que alguma flecha dos Peles Vermelhas cruzasse a sala e fosse parar justamente na minha cabeça. Aos poucos, as luzes foram se apagando e as imagens aparecendo na tela. Eu eufórico, o coração pulando que nem folião em Salvador. Até que, lá pelas tantas, aparece o tal Kong, o rei dos macacos. Tive tanto susto que não me lembro como me desvencilhei dos meus pais e desembestei cinema afora. Se me deixassem, teria percorrido os 6 km que separavam minha casa do Triunfo em cinco minutos. Hoje, quando me perguntam como foi a minha primeira experiência com a Sétima Arte, eu respondo que foi o maior mico. Literalmente.
This entry was posted on 11 de julho de 2007 at 6:20 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
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