Fuja do Mico II

“Você vai até o picadeiro e volta, rapidinho”, disse o palhaço, com ar sério. E naquele momento, eu deveria ter desconfiado de um palhaço que fala sério. Mas para não decepcionar as crianças que eu havia levado para ver o espetáculo do Vostok, lá fui eu, segurado pelos braços pelos dois palhaços encarregados de entreter a platéia antes do primeiro intervalo. Mal cheguei ao centro do palco, tive as mãos e os pés acorrentados a uma imensa porta. Em questão de segundos, percebi que estava num beco sem saída, apesar de estar preso a um objeto que, teoricamente, deveria ser a saída ou entrada para algum lugar. Nem tive tempo de ver o público se desmanchando em risadas porque os dois trataram de colocar um capuz sobre a minha cabeça, não sem antes me mostrarem uma dúzia de facas reluzentes e pontiagudas. Descobri que seria o alvo de uma dupla de atiradores de adagas. Que palhaçada, pensei. E confesso que por um momento, tive medo da morte. Não da morte propriamente dita, mas de ser morto por um palhaço, de forma tão ridícula. Já me imaginava em meu próprio velório, com os amigos comentando, sem graça, que eu tinha morrido num picadeiro. Das arquibancadas lotadas, ouvia o som estridente de gargalhadas. Para piorar a situação, um dos palhaços pôs uma bexiga cheia de líquido entre as minhas pernas. E até ela estourar penetrada por uma das facas, eu não sabia que tipo de líquido era aquele. Mas depois de ser esmagada pela adaga, molhando as minhas calças, a platéia não teve dúvidas: eu estava me borrando de medo. Enquanto isso, eu não sabia se prestava atenção no zunido das facas passando rente à minha cabeça, ou na risada do público. (Claro, para dar uma maior dramaticidade à cena, trataram de rufar os tambores). Quando a última faca penetrou a porta, um dos palhaços tirou o capuz do meu rosto. E entendi que, enquanto um fingia que jogava as facas à distância, o outro, a cinqüenta centímetros da porta, as cravava muito perto do meu corpo, dando a impressão de que era o palhaço distante que arremessava os instrumentos. Essa minha descoberta fez a platéia cair na gargalhada. E naquele momento – como na música do Zeca Baleiro – eu me senti mais bobo que um palhaço do circo Vostok. E os palhaços do circo Vostok se sentindo os Einsten da comicidade. Quando eu achei que o meu drama tinha chegado ao fim – o mestre de cerimônias anunciando o fim da primeira parte do espetáculo – os palhaços me deixaram em pleno picadeiro. Todo mundo do circo sumiu, menos a platéia, que continuava com suas crises de riso, me vendo amarrado no meio do nada. As crianças que eu havia levado faziam gestos desesperados, que eu traduzi como um “se ferrou”. Apontavam para mim e se desmanchavam nas gargalhadas. E eu sem poder sequer levar as mãos ao rosto. Naquele momento, ninguém saiu para lanchar. Preferiram se alimentar de risos, às minhas custas. Quando finalmente o locutor anunciou o fim do intervalo – e conseqüentemente, achava eu, o final do meu drama – apareceram quatro leões de chácaras e me levaram, com porta e tudo, para o interior do circo, onde os dois palhaços pareciam me esperar. “Valeu pelo espetáculo, amigo”, disse um deles, o mesmo que havia me convidado para ir ao picadeiro. O outro veio com um botton do Vostok para me entregar. “Lembrança do nosso circo”, disse. “E você acha que eu vou esquecer dessa palhaçada?”, pensei. Atordoado, sem saber onde era a saída, um dos leões de chácara me apontou o caminho. Ainda olhava para o botton na mão, quando vi que a “saída” era a entrada novamente para o palco. Quando a platéia me viu entrando no picadeiro, me recebeu com uma salva de palmas, misturadas a risadas histéricas. As crianças me apontavam, como quem diziam “olha ele ali, olha ele ali”. Os dez metros que separavam o picadeiro da cadeira onde eu deveria me sentar foram percorridos de cabeça baixa. E confesso: ninguém da platéia prestou mais atenção no espetáculo. Por um momento, eu posso jurar que todos olhavam pra mim, não disfarçando o riso sarcástico.

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    # by Anônimo - 4:16 PM

    Eu estou aqui remontando essa história que devo ter ouvido bem fresquinha, um dia após esse grande mico que meu amigo Nealdo pagou. E pagou MESSSSSMO. Meu Deus, é muiiita vergonha passar por isso. Eu que o conheço a alguns anos, sei que isso não é invenção. Gente, ele passou por isso de verdade!!!!! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Isso só acontece com você mesmo, né Nel? beijos da amiga de sempre,

    Gésia Malheiros