Perdido na noite
Gosto de percorrer a cidade altas horas da noite, quando o mundo parece dormir e é possível escutar melhor meus pensamentos. Às sextas, quando saio do jornal de madrugada, costumo dar umas voltas pelas ruas desertas antes de voltar para casa. No caminho, vou despejando as milhares de informações que acumulei ao longo do dia, sujando a cidade de notícias que a população só lerá no dia seguinte. A noite me atrai profundamente. Sou do time que troca a noite pelo dia e não pede torna. A madrugada me fascina que nem sereia se exibindo à capela num mar de rosas. No silêncio noturno, tudo ganha uma nova dimensão, tudo se amplifica e parece planar no ar: uma música trazida pelo vento denunciando que alguém se diverte nalgum lugar; frases cortadas apontando um diálogo incompreensível; pneus varando avenidas desertas... De quando em vez, no rádio do carro, o locutor com voz de motel anuncia, num inglês de Sertão, o próximo sucesso, aproveitando para oferecê-lo ao namorado da faxineira insone. Nalgum lugar da cidade, um vigilante toma de empréstimo a letra da canção para lembrar da mulher que deixou dormindo em casa, alheio ao grito de socorro que alguém solta mais além, tentando escapar de um assalto, talvez. A noite me toma os pensamentos todos os dias, quando tenho que enfrentar o trânsito maluco da cidade acordada. “E aí, meu patrão!”, diz um flanelinha assim que paro no sinal fechado, ainda pensando na poesia que é a cidade noturna. “Vai uma limpadinha no vidro?”, pergunta. Mas antes que eu responda, ele decide limpar a vista com uma morena que passa de minissaia do outro lado da rua. “O sinal...”, tento dizer apontado o semáforo que acaba de abrir. Ele faz o sinal da cruz em reverência à morena e esquece de terminar o trabalho. Não sem antes pedir uma moeda, que eu nunca tenho. Caio na real quando atrás do meu carro, um motorista apressado buzina sem parar, querendo chegar antes. E imediatamente volto a sonhar com a noite, desejando que ela chegue trazendo de presente a lua...
This entry was posted on 17 de outubro de 2007 at 1:03 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
# by Anônimo - 2:06 PM
:)
adoro o silêncio noturno, onde tudo se ouve.
Gostei muito.
:)
bjs de Portugal
# by Anônimo - 5:49 PM
Gosto muito do barulho do dia. Mas, na mesma proporção, adoro o silêncio da noite. É tão bom, que consigo ficar horas e horas pensando, refletindo, rezando, agradecendo. É a oportunidade dada e pouco usada. :)
Vc escreve lindo, Carlos!
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Lis
# by Anônimo - 12:09 AM
Muito boa a crônica, meu querido. Com aquele tom lírico, meio que melancólico...
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