Recusa

“Podemos lhe oferecer uma cerveja?”, perguntou uma delas, vestida com roupa sumária e um sorriso impecável – desses que alguém dá quando está pensando em pecar. Estavam ali, diante de mim, duas belas mulheres, uma loira e outra morena – a morena tipo Juliana Paes: de tirar o sossego. A primeira impressão que tive foi a de que já as conhecia de algum lugar. A segunda, que estava morto e que o céu é uma festa regada à cerveja. Servida por anjos com o consentimento de Deus, um pecado! Ainda cogitei uma terceira impressão: a de que estava bêbado e que as duas tinham acabado de sair daqueles anúncios de cervejas pregados na parede dos bares. Mas o botequim em que eu estava sequer tinha parede. “Não, muito obrigado”, respondi mecanicamente, engolindo em seco o último gole do copo. Não sem antes olhar para os lados, para ter a certeza de que as duas não estavam ali a mando de algum programa de televisão, à guisa de pegadinha. Na mesa ao lado, os homens me recriminaram com os olhares. “Como pode?”, questionaram – como se quisessem estar no meu lugar. “Tem certeza de que não quer?”, rebateu a “Juliana Paes”. “Garanto que nossa cerveja é melhor do que esta que está tomando”, arrematou, sem deixar o sorriso sumir do rosto. “É que o meu dinheiro só dá pra comprar essa cerveja”, tentei me explicar, já chamando o garçom para repor outra garrafa na mesa. “Não se preocupe. Não ligamos para dinheiro... Deixa, vai”, disseram as duas ao mesmo tempo, como se ambas tivessem ensaiado o discurso. “Não, não. Prefiro a minha”, respondi convicto, para o desespero da ala masculina do bar. “O meu sonho era encontrar uma mulher que me oferecesse cerveja”, comentou um gaiato ao lado. “Para ser perfeita, só faltava mandar o garçom ligar a TV no canal do jogo”, completou outro. “Eu preciso ver o jogo”, tentei terminar a conversa. “Que tal ver o jogo provando a nossa cerveja”, sugeriu uma delas. “Não, não. Já disse: prefiro a minha”, respondi, com o olhar na TV. “Podemos deixar pelo menos o nosso cartão?”, quiseram saber. “Não, por favor. Jamais tomaria uma cerveja de vocês”. “Por quê?”, quis saber a morena. “Porque não gosto”, disse sem olhar para as duas. Ainda com o sorriso no rosto, as moças foram oferecer cerveja para a mesa ao lado. Nas costas de ambas, uma frase com o motivo de tanto oferecimento: Promotora de Vendas.

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    # by Anônimo - 12:13 AM

    Meu amigo, só hoje, finzinho de carnaval, foi que li o seu texto. Confesso que rolava a barrinha do site sem maiores esperanças, pois desde dezembro que você não fazia prosa. Muito bom!

    Quanto aos haicais, gostei especialmente do Introspectivo e do Malícia.