A arte de atravessar portas

No jornalismo, o termo barrigada é usado para designar um fato falso, uma informação publicada sem a intenção de enganar o leitor – geralmente, o enganado é o próprio jornalista responsável pela informação, que vai na onda de algo que julga ser verdade e que, na verdade, é mentira. “Eu já tinha ouvido falar de muita barrigada na profissão, mas nunca de uma testada”, disse o Marcos Rodrigues quando cheguei à redação com um corte na testa e um olho inchado e roxo. Minha desventura aconteceu na última terça-feira, durante a prisão de um grupo acusado de assalto no Sertão de Alagoas. Encaminhados para a superintendência da Polícia Federal, os cinco homens chamaram a atenção de toda a imprensa, que não perdeu tempo e se apressou para o prédio localizado no bairro de Jaraguá. Na correria para não perder as informações, não vi a porta de vidro e tentei atravessá-la. Sem abri-la. Dei com os burros n’água. E a testa na blindagem. Os colegas se preocuparam. Minto. Os colegas riram. Um policial apanhou gelo, que derretia na testa manchada de sangue. “Matéria policial é assim mesmo: tem muito sangue”, comentou um engraçadinho à distância. Contrariado e cego, fiz o meu trabalho, voltei pra redação, redigi a reportagem e fui cuidar do corte. Pior mesmo foi agüentar as brincadeiras dos amigos. Disse um que na Polícia Federal, até os vidros são agentes infiltrados – daí a razão para eu querer atravessar a parede transparente à minha frente sem notá-la. Disse assim, com um ar zombeteiro, rindo descaradamente na minha cara. “Você não viu o vidro?”, quis saber, às gargalhadas. No auge da dor, uma pergunta dessas a gente tem vontade de responder algo como “vi, mas achei que conseguiria atravessá-lo com meu poder de herói”. Pior, no entanto, foi convencer o médico de que o inchaço no olho esquerdo tinha sido uma tentativa frustrada de atravessar a transparência compacta. Olhou-me com a desconfiança de quem achou que eu mentia. “Vou logo avisando que não foi uma briga”, me antecipei, já preparado para contra-atacar a sua desconfiança. “Tá, confesso, foi uma briga, mas os outros cinco estão todos de olhos inchados”. E algemados. Na dúvida, ele me receitou uma antitetânica, aplicada por uma enfermeira com cara abusada. “Tire as calças, vai ser na bunda”, disse, mostrando-me uma agulha cuja ponta segurava uma gotícula da minha dignidade. “A senhora quer mesmo é ficar olhando para a minha bunda, diga a verdade”, tentei brincar. “Desça logo as calças”, falou séria. E tascou a agulha. Eu não sabia o que doía mais: se a agulha pontiaguda; a testada na porta da PF; ou a zombaria dos amigos.

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    # by Léo Villanova - 7:53 PM

    Sou a favor de algemas nos bandidos e camisa-de-força nos jornalistas para evitar esse tipo de incidente.

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    # by Anônimo - 11:24 AM

    Nealdo, pelo menos a PF não pode acusar você nunca de ser testa-de-ferro... (ok, ok, o trocadilho foi infame... hehehe)

    Abraço!
    (e melhoras)

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    # by Patricia Bastos - 6:22 PM

    Como não rir, Nealdo? Se já aprendemos a rir com você, fica difícil não rir de você numa situação dessas! Quero te ver melhor na próxima semana!

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    # by Anônimo - 8:20 PM

    rss se eu tivesse lá não ia rir!!!
    =X

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    # by Marcos Rodrigues - 8:17 AM

    De testa em testa, atesto sua competência. Quem tem teto ou porta de vidro que se cuide.
    Abraço véio!

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    # by Anônimo - 2:24 PM

    tb n iria rir. juro!!
    nem um pouco!!

    =x