O Gosto dos Outros

“Li o manuscrito de Caetés, fiquei empolgado – não faz muito reli o romance de estréia de Graciliano, não mudei minha opinião de rapazola: a atmosfera da cidadezinha, a escrita admirável. Outros livros de Graça são maiores, o romancista cresceu mas Caetés persiste inteiro. Foi tal o impacto que me causou a leitura dos originais que resolvi conhecer o autor pessoalmente, tomei passagem no Conde de Baependi, ao chegar a Aracaju estava noivo, sucedia a cada viagem pela costa do Brasil. Um ano depois, em 1934, Schmidt publicou o primeiro romance do mestre Graça, logo depois saiu São Bernardo em edição Ariel.
O Conde de Baependi deixou-me em Penedo, desde então uma de minhas cidades preferidas, de quando em quando tomamos o carro, Zélia e eu, vamos dormir em Penedo para ver a manhã nascer sobre o rio São Francisco, trazida nas barcaças e nas canoas, andar em meio ao casario, parar à sombra das igrejas e dos conventos. Certa feita levamos conosco nossa amiga Antoinette Hallery, deslumbrou-se em tcheco e em francês:
piekne krasnie! Oh la la!
Andando em bonde-de-burro, ainda circulavam na Penedo de 1933, esperei o automóvel que Valdemar Cavalcanti
, com coluna de livros em gazeta de Maceió, sobrinho do Prefeito, enviou para me buscar. A viagem, em estrada de terra e buracos, durou o dia inteiro, cheguei a Maceió no fim da tarde, coberto de poeira, no hotel tomei um banho, saí em busca do romancista, fui encontrá-lo num bar, bebia café negro em xícara grande, cercado pelos intelectuais da terra – todos eles reconheciam a ascendência do autor ainda inédito, era o centro da roda. Ficamos amigos na mesma hora.
Desde aquela tarde até a sua morte, acompanhei dia a dia, com admiração e amizade, a vida de Graciliano Ramos e sua criação literária, poucas se lhe comparam. Cheguei de Santiago do Chile às vésperas de sua morte, escalado para falar à beira do túmulo, não consegui passar das primeiras palavras. Depois sua filha Luísa tornou-se minha irmã ao casar-se com James; Fernanda, neta de Graciliano, flor dos Ramos e dos Amado, é minha sobrinha, misturaram-se nossos sangues.
Eu o recordo como vi pela primeira fez, na mesa do bar: chapéu-palheta, a bengala, o cigarro, a face magra, sóbrio de gestos. Parecia seco e difícil, diziam-no pessimista, era terno e solidário, acreditava no homem e no futuro”.



Jorge Amado, em Navegação de Cabotagem.