A Ostra e o Vento

Manoel Cícero Rocha tem 48 anos de idade e há 22 mora num povoado encravado numa reserva de mata atlântica localizada no município de Roteiro, às margens da lagoa que dá nome à cidade. Palatéia – que se acredita ser uma corruptela de platéia – teve origem numa vila de moradores de uma antiga usina de açúcar já extinta. Começou com 20 famílias, hoje abriga 75.

Para chegar ao local, andam-se três quilômetros mata adentro, numa estrada de barro ladeada por espécies nativas. Aqui e acolá, um aviso escrito em pequena tábua pregada às árvores. “Não maltrate a natureza, viu?”, adverte um deles. Seu Cícero mora com a mulher – também chamada Cícera – e cinco filhas: Manoela (16), Daniela (14), Maristela (13), Marcela (11) e Mirella, a caçula de três anos. Sustenta todas com a venda de ostras, negócio que ele iniciou há menos de uma década, depois de descobrir a quantidade de molusco existente no povoado.

Durante a semana, apanhava as ostras no mangue e ia vendê-las na praia, aos sábados e domingos. Numa dessas investidas, conheceu um técnico do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa, que percebeu a qualidade do produto comercializado por Seu Cícero e sugeriu a criação de uma cooperativa de catadores de ostras. Ele gostou da idéia, voltou ao povoado, conversou com os demais moradores e depois de algum tempo de treinamento fundou a Associação de Maricultores Paraíso das Ostras.
Ao contrário de Seu Cícero, os moradores de Palatéia não acreditaram na idéia de se cultivar ostra em cativeiro. O trabalhador se viu só. Mas não desistiu do sonho. Continuou à frente da associação e vendendo suas ostras – agora cultivadas em mesas – nas praias alagoanas. Percebendo que o negócio era rentável – e querendo transformar a vida dos moradores do povoado, que passavam a maior parte do tempo sem ter o que fazer –, Seu Cícero pensou numa forma de impressioná-los. Juntou as economias, comprou um Fusca 76 e o estacionou na porta de casa. Era o primeiro automóvel que entrava no povoado. Não importava se o Fusca passava a maior parte do tempo quebrado. Um dia após a compra, os homens do povoado correram à casa de Seu Cícero. “Como eu faço para entrar para a associação?”, quiseram saber.

No mesmo dia, o presidente da associação cadastrou 20 pessoas. A Paraíso das Ostras começava a se fortalecer. Em pouco tempo, o número de mesas para cultivo de ostra na lagoa do Roteiro tinha aumentado. Seu Cícero tinha vencido a primeira etapa. Atualmente, a associação produz 12 mil unidades por semana. Apenas duas mil são consumidas em Alagoas. O restante vai para restaurantes chiques do Recife e de Santa Catarina.

Por que se consome tão pouco no Estado? “Alagoano não sabe comer ostra”, ressalta Seu Cícero. “E não sabe porque o governo nunca procurou fazer nada em prol do turismo gastronômico”, acrescenta. Seu Cícero não pleiteia nada do governo. Até hoje, os poderes fizeram muito pouco – ou nada fizeram – pelo povoado. De serviço público, apenas a energia elétrica está presente. E é coisa recente. A creche, o posto de saúde e a escola – que deveriam ser obrigações do Estado – foram construídos por um empresário de Santa Catarina, sem os holofotes que os políticos costumam exigir quando fazem tais obras.

A única coisa que Seu Cícero pede do governo é a realização de um Festival de Ostras – a exemplo do que já acontece em outros estados brasileiros. “Com o festival, se poderia ensinar outros pratos feitos a partir do molusco, em vez do ‘insosso’ ostra com sal e limão”, defende. E emenda uma série de opções: salada de ostras, ostras com mangas, ostras gratinadas. Pratos que ele, como exímio cozinheiro, faz para deleite da filha caçula, que adora ostras.

Sem esquecer o poder afrodisíaco do molusco – “E você acha que eu tenho cinco filhas por quê?”, questiona, com um sorriso no rosto – Seu Cícero capricha nos pratos. Dona Cícera não reclama. “Ela adora”, conta. Gosta tanto que o acompanha diariamente até as mesas de cultivos, armadas na lagoa. Vai com as filhas mais velhas, que estudam fora do povoado porque a escola só dispõe de ensino fundamental. Ao longo do trabalho, percebe-se a alegria dos pais. Ao final do expediente, todos retornam ao povoado com sacos de ostras, que serão limpas e embaladas para a próxima encomenda – geralmente para fora do Estado.

Mesmo sem nenhuma contrapartida do governo, Seu Cícero continua lutando para manter a associação. As mesas já estão gastas e precisariam de reparo urgente. Os moradores não têm os R$ 120 mil necessários para repor o material. Seu Cícero não pede nada ao governo ao não ser a possibilidade de o Estado introduzir a ostra no turismo gastronômico. Tudo o que o trabalhador conquistou foi à custa do suor dele e da família. O primeiro carro – que ele gastou R$ 600 para consertar e só conseguiu vendê-lo por R$ 300 – foi substituído por um modelo mais novo, que está disposto na porta de casa, como o outro. Seu Cícero tem esperança de dobrar o número de associados. Alguém duvida?

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    # by Bárbara - 12:49 AM

    É muito bom conhecer histórias como essa, de pessoas batalhadoras como o seu Cícero, que quer apenas condições para conseguir o seu ganha-pão com trabalho honesto. Por que é que a história dele não ganha tanto destaque quanto o retorno dos taturanas na imprensa local? Acho que esse tipo de história ajuda a resgatar a auto-estima dos alagoanos, porque é possível ver no meio de tanta roubalheira um exemplo de honestidade e determinação. Esse é o gás que o povo alagoano precisa para continuar lutando contra a corrupção!

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    # by Léo Villanova - 7:28 PM

    De tanto ver e ouvir histórias policiais e de terror no noticiário sobre Alagoas, fica dificil acreditar que casos como o da comunidade de Palatéia não passem de realismo fantástico.
    Mas é tudo verdade.

    Vamos à caça de outras mais.

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    # by Marcos Rodrigues - 11:18 AM

    Se a comunidade tivesse um "pouquinho" de apoio a situação seria ostra.

    Companheiro, gostaria de sua autorização para reproduzir essa histório no meu blog. O pagamento será em ostra, ok?!