Pais e filhos

Eu tinha nove anos de idade em 1979 quando fui a um estádio de futebol pela primeira vez. Fui levado pelo coração do meu pai, cujas artérias se entrelaçam e vão se perder de amores pelo Vasco da Gama. Naquele ano, o time da Cruz de Malta jogaria com o ASA pelo Campeonato Brasileiro. O acontecimento inédito na cidade de Arapiraca fez a população lotar o estádio municipal – boa parte para ver estrelas como Roberto Dinamite e Leão, titulares da equipe carioca. Ao longo de todo o jogo não sabia se acompanhava a partida ou me emocionava com a vibração do meu pai, que torcia calorosamente a cada lance de ataque vascaíno. No final, o Vasco ganhou o jogo com um gol de falta do Roberto Dinamite, e eu saí do estádio com duas novas paixões: o Vasco da Gama e o ASA de Arapiraca. Trinta anos depois, uma história sobre futebol iria me fazer lembrar esse episódio, porque mais do que uma história sobre esporte, é um fato sobre pais e filhos. No último sábado, a Isadora participou de sua primeira gincana na escola. Uma das tarefas consistia em levar um jogador profissional para fazer embaixadinhas. Não consegui o Ronaldinho Gaúcho, como ela queria, mas convidei o Joãozinho Paulista – ex-jogador do Clube de Regatas Brasil –, que aceitou de pronto. No dia do evento, fui buscá-lo em casa. Ao longo do caminho, ia me lembrando de histórias envolvendo o atleta, que vi jogar várias vezes contra o ASA – muitas delas com vitória do time adversário. Na escola, o ex-jogador foi solícito durante todo o tempo. Tirou fotos com as crianças, sentou-se entre elas na arquibancada e cumpriu com maestria a tarefa que lhe foi passada. No caminho de volta, enquanto o levava pra casa, confessei: “Eu tinha muita raiva de você, na época em que você estava em atividade e jogou contra o meu ASA”. Ele me olhou sem entender. “É que você me deu algumas frustrações, ao derrotar o time que aprendi a amar graças ao meu pai”. Mas tratei logo de esclarecer: “Somente os bons jogadores metem raiva nos torcedores do time adversário”. A equipe da minha filha não ganhou a gincana, mas ela adorou ter participado pela primeira vez de um evento dessa natureza. Como há trinta anos – desta vez em papéis trocados – um filho viu um pai vibrando durante uma disputa. E um dia depois eu, como velho torcedor do ASA, vi o meu time ganhar do CRB – desta vez pelo Campeonato Brasileiro da série C – com o Joãozinho Paulista, uma figura extremamente humana e simples, no comando do time adversário.