Como se fosse a última

Preciso me disciplinar para fazer as minhas refeições com critério. Minto. Preciso me disciplinar para, pelo menos, fazer as minhas refeições. Morar só tem seus inconvenientes e cozinhar para um é uma ideia que me desagrada. Hoje meu café da manhã se resumiu a um pastel com um suco de maracujá, comprado de um ambulante que vendia a trabalhadores de uma construção civil em frente ao meu trabalho. O suco não tinha gosto de maracujá – mas o vendedor me garantiu que era e eu acreditei. Meu estômago nem reclamou. Deve ter acreditado também, o infeliz. E a julgar pelo cabelo que encontrei no pastel, desconfiei da origem do bacalhau. “Por um real você queria o quê?”, questionou um dos pedreiros. “Que o cozinheiro fosse pelo menos careca”, respondi laconicamente. “Meu medo é passar mal”, ainda tentei argumentar. “Se passar mal, troque de ferro. Garanto que a sua roupa vai agradecer”, rebateu um servente da obra. Engoli em seco. Digo: engoli o suco, preferindo abandonar o “peludo”. Com fome, costumo comer as ideias, não sem antes mastigá-las, na tentativa de ter alguma que preste. Mas inspirado no pastel com cabelo, definitivamente, hoje minhas ideias estão nascendo todas cabeludas.