O amor está em toda parte

Ao longo da vida, presenciei duas grandes declarações de amor alheias. Ambas belíssimas, porque não tinham intenção de ser declaração de amor. A primeira: num cruzamento movimentado, um homem pede esmolas. Cansado, aparentemente faminto e mal vestido, estende a mão para os motoristas indiferentes parados no sinal de trânsito. Ninguém lhe dá nada que não seja um não. A mão estendida passeia vazia entre um carro e outro, e volta vazia ao rosto cheio de suor do sol de meio-dia. Na calçada do outro lado da rua, uma mulher igualmente cansada e faminta e mal vestida acalenta um bebê no colo, enquanto outra criança chora encostada em seu ombro. O verde do sinal acaba com as esperanças do pedinte. Driblando um carro e outro – num balé cambaio – ele se dirige à mulher sentada na calçada com os dois filhos. O bebê chora; a outra criança tem fome. Ele senta-se ao lado da mulher, põe os braços nos joelhos e abaixa a cabeça, num gesto de desolação plena. Naquele momento, sente-se um derrotado diante da família faminta. A mulher percebe. E num gesto espontâneo, põe a mão sobre a cabeça dele, afagando-lhe os cabelos desgrenhados, como a lhe dizer: “desta vez não deu, meu homem. Mas estou do seu lado”. Ele olhou para ela e sorriu sem graça, mas um sorriso encorajador. E viu suas esperanças renascidas em cada sinal vermelho. A segunda: um homem tenta se aproximar da mesa do restaurante, mas encontra nos garçons que conversam na calçada a primeira barreira. Social. Desrespeitado no seu direito de ir e vir, ele tenta desabafar o preconceito sofrido com o casal da primeira mesa. Mal vestido e cheirando a tintas – que carrega numa mochila velha às costas – o homem não deseja nada, a não ser por para fora a sua angústia de viver na rua sem ter o que comer nem vestir. “Esta é a minha única roupa”, diz, apontando para uma camiseta surrada. No outro lado da rua, uma mulher cansada observa o diálogo, e se aproxima ao perceber que o homem está tendo problemas com os garçons. Igualmente mal vestida, ela observa a cena a certa distância, e vê o homem desabafando seus problemas com o casal à mesa. Ao perceber a aproximação da companheira, ele aponta para a mulher e solta mais um lamento: “minha mulher não tem sequer roupa de baixo. A senhora sabe do que estou falando, não é, dona?”, perguntou para a moça à mesa. “Aquela saia que ela está vestindo não é saia. É a minha outra camisa, que ela fez uma saia”. Disse isso, apanhou o carro-de-mão repleto de lixo reciclável que havia estacionado rente à calçada e partiu. Ao seu lado, a mulher passou a mão sobre sua cabeça, num afago companheiro, e seguiu junto, com a mão em seu ombro. Ainda não sabiam onde dormiriam àquela noite. Mas sabiam que dormiriam juntos.