Bolsa de valores - ou a arte de guardar lugares

Eu aguardava na fila de embarque no aeroporto internacional de Garulhos quando a senhora cheia de malas tocou no meu ombro. “Você está indo pra onde?”, perguntou, abrindo um sorriso quando soube que meu destino era Maceió. “Pode me ajudar a despachar essas malas no seu nome, para evitar o excesso de bagagem?”. Hesitei em princípio, mas não vi nenhum problema em atender ao seu pedido, principalmente porque as malas não iriam às minhas costas. Diante do sim, ela agradeceu e desandou a tagarelar. “Compras, sabe? Todas da 25 de Março, onde os preços são tentadores”. Interrompi-a com uma pergunta, curioso para saber se tudo aquilo – cinco ou seis grandes malas – era para consumo próprio. “Que nada! Para revender na minha loja”. E se despediu, não sem antes me fazer o convite. “Apareça por lá qualquer dia desses...”. Nunca apareci, mas outro dia, ao passar pelo endereço da tal loja, lembrei da mulher e ri. O lugar, localizado na Ponta Verde – o metro quadrado mais caro de Alagoas – é freqüentado por madames da alta sociedade, que acham que estão levando para casa autênticos Prada, Louis Vuitton ou Hugo Boss quando estão, de fato, gastando os tubos em cópias autênticas. Mas tudo bem, “Hugo Boss tá na moda”. Por que me lembrei dessa história agora? Porque neste fim de semana fui assistir à apresentação da minha filha no teatro. E percebi que a nova modalidade em cinemas e casas de espetáculos de Maceió é mandar a bolsa na frente, por alguém menos displicente que consegue se arrumar a tempo e guardar o lugar na poltrona. Na apresentação de domingo, havia mais bolsa vendo o espetáculo do que pessoas. Madames impolutas exibiam suas Louis Vuitton compradas na 25 de Março por uma módica quantia, num acinte a quem, por querer estar no lugar certo, na hora certa, planejou seu tempo de modo a não chegar atrasado. E ai de quem tentasse tirar a bolsa da cadeira, tentando ver o espetáculo confortavelmente. Vi um senhor quase ser humilhado porque perguntou se a Herchovitch ao lado poderia assistir à apresentação no colo, como convém. “A dona dela vem já”, respondeu a mulher, com a raiva a tiracolo. O senhor se contentou em ver o balé sentado no corredor, como dezenas de outras pessoas, enquanto dezenas de bolsas jaziam confortavelmente nos lugares que deveriam ter gente. Só faltavam aplaudir a cada cena. Com exceção da apresentação da minha filha – que me emocionou muito – fiquei pensando o tempo todo que, enquanto o brasileiro chegar atrasado aos lugares – e consequentemente os produtores de espetáculos privilegiarem esse público em detrimento de quem cumpre seus horários – o Brasil não vai pra frente. Pode até ir, mas tende a chegar atrasado.