Depois da chuva


“Fica estabelecida a possibilidade
De sonhar coisas impossíveis
E de caminhar livremente em
direção aos sonhos

(Montaigne)


- Quer tomar banho de chuva comigo amanhã?
- Claro!

Para que tudo desse certo, no dia anterior ele fez a dança da chuva num ritual ordinário, e torceu para que São Pedro se apiedasse de uma cena tão mesquinha. Mesmo assim, por um milagre – não esperaria a sorte de o céu desandar no Verão – a chuva viria lamber o dia. Dormiu e sonhou e acordou. Aqui e ali, olhou através da janela e maldisse a estrela que parecia zombar de seus planos, anunciando o sol, radiosa. Mas eis que acordou no dia seguinte com o barulho de chuva no telhado. E nunca esteve tão feliz por chover no litoral. Às pressas, saiu de casa na esperança de encontrá-la reverenciando a chuva. Percorreu a cidade e somente muito tempo depois percebeu que não iria vê-la, a não ser que fechasse os olhos e a imagem dela surgisse nítida na sua mente. Na manhã de sua ausência, estranhamente não ficou triste. Evidentemente que gostaria que ela estivesse ali. Que sentido faria aquele dançar cambaio se não fosse para trazer, com a chuva, o brilho que ela tem no olhar? Mas não ficou triste porque se deu conta de estar presenciando um milagre. E se pegou alegre enquanto a água lhe caía de leve no rosto. “Ela me deu de presente a chuva”, pensou. E voltou para casa cantarolando uma canção:


Vai chover de novo
Deu na TV que o povo já se cansou
De tanto o céu desabar
E pede a um santo daqui
Que reza a ajuda de Deus
Mas nada pode fazer
Se a chuva quer é trazer você pra mim...

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    # by Diana Melo Ferraz - 11:22 PM

    Ai... que lindo... sem palavras, agora só me resta dizer que a cada dia que passa fico mais fã de você... obrigada pela sua amizade.

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    # by Débora Guedes - 6:48 PM

    Oi.

    Vivo vasculhando teu blog ávida por seus textos. Penso que estou viciada.
    Acho que é assim que o vício se instala: Alguém vem, te oferece o produto despretenciosamente e a gente aceita. "A pessoa foi tão gentil em compartilhar algo "dela" comigo. Porque não aceitar?"
    Mas então, você começa a sentir falta daquilo que te foi oferecido e volta a buscar. A pessoa que te fez o agrado, já não está ali e é necessário procurar aquilo que sacia a vontade com nossos próprios meios.
    E então, algo se apodera de ti e você não mais SE pertence. Na verdade, tenta pertencer aos textos, ser a personagem: a filha tão amada, ou aquela que fez o café com sal, e acaba emocionada com a delicadeza do marido que tomou o café, como se tivesse tomando o vinho de uma safra raríssima.
    Quando leio os textos sobre o amor, fico a imaginar que realemnte ele existe, porém, deve está meio tímido, porque as pessoas acham demodé escrever cartas de amor...
    A sensibilidade poética, é raridade hoje em dia.
    E então, fico apenas na imaginação do amor romântico, sem o amargor de infidelidade, sem acidez da indelicadeza e com a doçura dos contos que um dia ouvi alguém contar...

    Abraços.

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    # by Débora Guedes - 6:49 PM

    Ah! E eu ia esquecendo...

    ADORO banho de chuva!