Sinais

“Pai, meu nariz está cheio de espinhas”, ela diz, examinando-se no espelho retrovisor do carro a caminho da escola. Em princípio você estranha o fato de aparecerem espinhas no nariz de uma criança de nove anos. Mas nem tem tempo de pensar direito sobre isso porque ela emenda uma pergunta: “Será que é a puberdade?”. Glup! Você engole em seco. Barulho de pneus riscando o asfalto. Depois de ligar o piloto automático, você tem que dar uma resposta rápida e muito honesta. (Tá, dane-se o cãozinho que atravessou na frente do carro nessa hora. Para sentir menos culpa, você se lembra que mata um leão por dia para sobreviver. Então, um cão a mais ou a menos não faz muita diferença. E pede perdão à Sociedade Protetora dos Animais, aproveitando para encomendar a au-alma do totó para São Francisco de Assis). Você tenta encontrar justificativa para se tranquilizar. Minha filha é realmente minha amiga por falar coisas tão íntimas, você pensa. E pigarreia. Nessa hora você sente um nó na garanta e torce para ser a gravata. Mas você não usa gravata. Então pensa: seja terno, pelo menos. “Meu anjo, ninguém melhor do que você para conhecer o seu corpo”, você tenta manter o diálogo. E morre jurando que tentou. “Você já sente algum sinal de puberdade?”. Ela tem uma resposta pronta. “Já, pai”. E você vê o seu bebê desaparecendo para dar lugar a uma mocinha. É um pensamento nada agradável. Mas nem se demora nele porque ela volta a falar. “Pai, a Tetê já tem pelos nas axilas”, continuou, referindo-se a uma amiguinha um ano mais velha que ela. “Não é horrível?”. Por um segundo, você quer dizer que é horrível sim; que crianças deveriam continuar crianças, e que tudo aquilo não passa de um sonho torto; que você vai acordar e se dar conta de que aquela criança frágil que você trocou as fraldas na infância ainda não cresceu. Mas a buzina do carro atrás do seu age como um despertador. E só então você percebe que passou mais de cinco minutos no meio da rua, atrapalhando o trânsito em plena hora do almoço. E você começa a ouvir xingamentos cabeludos. E faz o “Pelo Sinal”. E se dá conta que a história tem a ver com sinal de pelo. E depois de tudo isso tenta retomar o fio da meada. Ou o fio de cabelo. Ou qualquer fio condutor que lhe leve a algum lugar longe dali. “Não é horrível, meu amor”, você pondera. “Acontece que em algumas pessoas os hormônios são mais apressados do que em outras”, você tenta explicar. “Entendeu?”. “Hun-rum!”, ela responde, ainda examinando as espinhas no retrovisor. E sentencia, com ar blasé: “Os meus não são apressados não, pai, porque ainda não subiram pras axilas”.

  1. gravatar

    # by Márcia - 7:42 AM

    Parabéns pelos trocadilhos e neste post sua imaginação foi além do cérebro. rsr PURA REALIDADE!

  2. gravatar

    # by Lenilda Luna - 1:43 PM

    Prepara-se, papai. Ela vai crescer... é a natureza das coisas. Mas voce vai continuar sendo o melhor pai do mundo

  3. gravatar

    # by Anônimo - 6:05 PM

    Necs, daqui para frente, acho que o susto serão maiores e mais intenso... Portanto, acostume-se amigo!

  4. gravatar

    # by Helder - 2:26 PM

    Muito bom! Será que tem como explicar tudo isso a si mesmo ? Ser pai é realmente "padecer no paraíso". Parabéns