Primeira juventude *

Um dia minha filha me disse que paquerava um coleguinha da escola. “Ele se parece com você, pai”, justificou. “Ele é bonito, então”, brinquei. “Não, pai. Ele é palhaço”, respondeu ela, com um sorriso tão encantador que me esqueci do ciúme que senti ao ouvir a declaração. Ela foi falando dele pelo caminho. E eu, preocupado, já pensava em “vasculhar” tudo sobre aquele novo amor que surgia no coração da minha filha. (Eu sei que ela ainda não está na idade de namorar, mas também sei que já fui criança, e já vivi o que ela estava vivendo naquele momento. Sei que é questão de tempo para que o coração da minha filha bata por amor. E o meu comece a apanhar). Por um bom tempo, ela foi deixando recadinhos carinhosos para ele no Orkut. Meu coração ficava apertado à medida que lia as mensagens. Depois postou uma música com uma historinha de amor, onde duas crianças (um menino e uma menina) de sua idade interpretavam o tema da canção. Com o tempo, percebi, no entanto, que o alvo de sua paquera era indelicado a cada recado que ela deixava. E me machucava muito vê-lo a destratando. Uma dia, a caminho da escola, eu decidi parar o carro para conversarmos sobre o assunto que tanto me incomodava. “Meu anjo, você é muito especial e sensível. Todo mundo gosta de você e de sua maneira de ser. Mas tenho percebido que o seu paquerinha tem lhe tratado tão mal...”. Ela me interrompeu. “Eu sei, pai. Eu não gosto mais dele. Ele é muito grosso”. Disse isso e ficou em silêncio. Eu a abracei e seguimos o percurso até a escola. Esquecemos o assunto por um bom tempo, até que um dia recebi convite para a formatura da minha cunhada, e fomos – eu e a Isa – para a festa. Estávamos sentados à mesa conversando animadamente com muita gente, quando a banda tocou a música que ela havia postado no Orkut – e que certamente tinha a ver com a sua paixão de criança. “Eu gosto dessa música”, disse ela, com um olhar distante. Eu me lembrei da história do paquerinha. E me senti impotente. “Vamos dançar, Isa?”, sugeri, tentando trazê-la pra perto. Ela se levantou, me puxou pela mão e fomos para o meio do salão. Abracei-a forte, num instinto de proteção paterna. E mais uma vez imaginei minha filha adulta. E mais uma vez sofri antecipadamente. Ela cantou a música toda, enquanto dançava. Eu a abracei forte, inconscientemente tentando proteger seu coração que batia no meu peito. Enquanto o meu, pobre coitado, começava a apanhar. “Eu te amo, pai”, ela disse, olhando nos meus olhos, depois  que terminou a música. Eu a deixei na mesa e fui ao banheiro. Não ficava bem chorar em público.

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    # by Débora Guedes - 4:54 PM

    E mais uma vez, eu me las... (ops!) derreto toda, lendo sua história de amor com Isa.

    Ai, ai...

    Queria ter um pai assim!

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    # by Anônimo - 6:59 PM

    Essa sua narrativa expressa o meu sentimento, minha filha tem apenas dois meses, mas, já sofro ainda mais antecipado do que você. Cada vez que a pego nos braços me vem a sensação de que por mais a proteja, um dia terá que voar, amar,sofrer... já sofro e sonho em tentar evitar seu sofrimento,seu sofrer chamado amor, mas, mesmo na minha ilusão utópica, do não querer vê-la sofrer, sei que isso é algo concernente ao ser humano, cheio de tantos defeitos... mas, a felicidade não é constante, ela feita de momentos, buscarei construir esses momentos quando ela chegar a adolescência, juventude, fase adulta...

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    # by Paulinha Felix - 3:56 AM

    Que coisa mais linda, chorei horrores! Mas lendo seu texto, tenho a feliz conclusão de que os amores eternos existem.

    Muito belo, Nealdo!

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    # by Anônimo - 6:51 PM

    Nealdo, quando eu era mais novo não queria ter um filho porque achava que teria que deixar de viver muitas coisas por causa disso.
    Hoje eu acho que ter um filho me permitira viver muitas coisas novas.
    Seu texto ilustra muito bem essas coisas novas que cada vez mais me atraem.
    Um texto emocionante como poucos.

    Um forte abraço

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    # by Jan Ribeiro - 11:02 PM

    Isa é tão doce quanto você é palhaço Nealdo. Sorte quem quem escolher qualquer um dos dois como companheiro para a vida toda. Deixa eu te contar um segredo: essa menina ainda vai te fazer chorar um bocado! Não deixe de compartilhar com a gente essas experiências! ;D

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    # by Adnael - 2:13 AM

    É, "Mau", sempre usando muito bem as palavras e a sensibilidade.
    Perfeito, principalmente neste texto que acabo de ler como no do post anterior.
    Seu brilho é natural. Parabéns!

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    # by José María Souza Costa - 12:59 PM

    Parabens, pela Cronica, quase interPessoal
    Agradavel
    Passei aqui lendo. Vim lhe desejar um Tempo Agradável, Harmonioso e com Sabedoria. Nenhuma pessoa indicou-me ou chamou-me aqui. Gostei do que vi e li. Por isso, estou lhe convidando a visitar o meu blog. Muito Simplório por sinal. Mas, dinâmico e autêntico. E se possivel, seguirmos juntos por eles. Estarei lá, muito grato esperando por você. Se tiveres tuiter, e desejar, é só deixar que agente segue.
    Um abraço e fique com DEUS.

    http://josemariacostaescreveu.blogspot.com

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    # by Julia M. - 11:56 AM

    Olá, encontrei o seu texto por acaso e fiquei emocionada. A sua filha tem sorte, não apenas pelo amor que você lhe dedica, mas por contar com um pai que não desdenha de seu coração juvenil. Lindo!

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    # by Débora Guedes - 12:32 PM

    Nealdo,

    Me dá notícias de Isa. Estou com com saudades dos seus textos. Abandona a gente não, viu?

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    # by Sr. Apêndice - 2:42 PM

    Eu não sou pai, e talvez esteja bem longe de ser um. Mas se eu tivesse uma filha, certamente passaria por uma história bem semelhante a essa. Fiquei sensibilizado com a história de amor de vocês. Abraços