Carta aberta ao governador de Alagoas

Senhor governador do Estado de Alagoas,

Não conheci seu pai - o que considero uma pena, a julgar pelo que li sobre ele, em especial o livro “Teotônio, o Guerreiro da Paz”, do jornalista Alves Marcio Moreira – e embora ainda adolescente, me emocionei com a poesia do Milton que viraria um dos hinos da campanha pelas Diretas no País. Ainda hoje, passados tantos anos, me pego cantando a canção – seja pela beleza dos versos, seja pelo que eles representaram na história do País:

Quem é esse saltimbanco
Falando em rebelião
Como
quem fala de amores
Para a moça do portão
?”

Filhos de pessoas ilustres costumam dizer que não há nada mais pesado do que o sobrenome do pai. Confesso que não sei se teria estrutura de carregar um apelido famoso, porque isso requereria de mim muito mais esforços. Preservar o sobrenome de alguém importante é uma tarefa árdua e não menos penosa. Por isso lamento pelo senhor, governador. Imagino que não deve ser nada fácil suportar um Teotônio Vilela sublinhado – imagine a carga! – por um sonoro Filho. Costumo dizer que sobrenome se constrói; já sobrenome construído, é preciso trabalhar dobrado sob pena de manchá-lo. O senhor não parece ser uma má pessoa. Já tive a oportunidade de conversar algumas vezes com vossa excelência – todas elas no exercício da minha profissão. Quem analisa a conjuntura política do Estado, no entanto, tem outra impressão. E esta, infelizmente, é a que está ficando. Dá desgosto ver Alagoas ocupar manchete negativa na imprensa nacional – quase sempre relacionada à violência, saúde e educação. Eu tenho orgulho de ser alagoano – mesmo com meus colegas de profissão de outros Estados vindo me cumprimentar, nos encontros de trabalho pelo Brasil a fora, sempre com a velha frase: “Ah, você é do Estado daquele político lá, ?”. Não. Eu sou de um Estado que tem muita gente boa, em todas as áreas de atuação. Quer ver? Música? Hermeto Paschoal, Djavan, Jararaca (da dupla Jararaca & Ratinho)... Cinema? Cacá Diegues, Jofre Soares... Literatura? Lêdo Ivo, Graciliano Ramos, Jorge de Lima... Mas sei que tem algo errado com o lugar onde moro, sim. Não vou fechar os olhos, como o senhor parece ter feito (governador, o senhor é filho do Menestrel, lembra!?). Antes mesmo que o senhor queira saber quem eu sou, eu respondo: sou uma estatística, governador. Uma estatística do seu governo. Entrei para essa – gostaria de dizer seleta, mas infelizmente não cabe o termo aqui – categoria hoje. Estou sendo obrigado a me mudar de onde moro pela violência desenfreada que toma conta do Estado. Obrigado a deixar o lugar onde fiz amizades, vínculos e – mais do que tudo isso – construí um lar. Tudo isso porque homens armados invadiram, nesta manhã de terça-feira, o pequeno condomínio onde divido espaço com alguns moradores, arrombaram as casas e ameaçaram pessoas – inclusive crianças. Tudo em plena luz do dia, sem a interveniência do Estado. Eles sabem que nenhum mal será lhes feito. A polícia não age – e não é por culpa dos profissionais existentes no Estado. Antes, é pela falta deles. Não temos médico, professores e policiais suficientes. E o que temos, trabalham em situação adversa. Falta tudo do lado dos mocinhos – de colete a ambulância. E os bandidos sabem fazer conta – mesmo sem escola, que, infelizmente, estão caindo aos pedaços. Estou deixando um lugar de gente simples, mas tão humana que já me dói a despedida. E não é por culpa dos bandidos. É por culpa da omissão do Estado, senhor governador. Mas antes de me mudar, gostaria de dizer que torço para que tudo isso seja revertido em tempo hábil. Torço por vossa excelência. Francamente, gostaria que, no futuro, o senhor fosse lembrado como Teotônio Vilela Filho. E não apenas como filho do Teotônio Vilela – pai. 

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    # by Helder Lopes - 5:59 PM

    Nealdo, não posso lhe parabenizar, vez que o texto trata de situação absolutamente lamentável e odiosa.

    Mas posso lhe agradecer por você ter, de forma contraditoriamente simples e profunda, textualizado o triste cotidiano vivenciado por nós, alagoanos que amamos essa terra.

    Que o cordão de assessores que cerca o chefe do executivo estadual não impeçam que ele tenha acesso a sua carta aberta.

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    # by Davi Soares - 6:32 PM

    Triste situação. Belo texto. Lembro que, há menos de seis meses, mataram um policial militar no interior de uma casa, invadida por bandidos, há menos de 100 metros desse condomínio. Eu quase que presencio a ação.

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    # by Anônimo - 11:48 AM

    É lamentável essa situação em que se encontra nosso Estado.Mais lamentável ainda é que a minha filha mora nesse condomínio e está sendo obrigada a sair do mesmo.
    Em frente a esse condomínio,uma senhora teve seu carro levado;ainda na mesma rua,um policial assassinado,tudo em plena luz do dia,poderíamos dizer: "á luz da ausência da mão do Estado?
    Estamos vivendo uma situação insuportável...

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    # by Débora Guedes - 3:17 PM

    Nealdo,

    Suas palavras traduzem o que nós, alagoanos, sentimos em relação a Alagoas. Sempre me entristeci quando vejo alunos que não sabem a letra do Hino de Alagoas, ou pessoas que preferem amar o vizinho Pernambuco, a se referir ao nosso paraíso de águas com um mínimo de carinho. E embora eu ame Alagoas com todo meu coração e orgulho, compreendo o sentimento de irmãos alagoanos que olham o próprio Estado com desdém. Estamos aquém do desenvolvimento, do progresso, de um futuro promissor. E então, eu faço uma pergunta ao nosso Governador: Será que temos que nos orgulhar em ocupar o primeiro lugar em educação precária, saúde a míngua e segurança sucateada?
    Sempre digo que a publicidade tem duas faces. E as propagandas do Governo do Estado mostra um sofismo extremamente cara de pau.
    E com situações tão deprimentes no meu Estado, o meu "orgulho Alagoano" encontra-se frustrado e bastante ferido.

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    # by Luiz André - 12:35 PM

    Excelente texto, Nealdo. Triste e assustador. E real, dolorosamente real.

    Tenho uma má notícia para lhe dar: o nosso estimado governador está pouco se lixando para o nome do pai dele. Está pouco se lixando, aliás, para o próprio nome. Não se lixa para você nem para mim, nem para os policiais, nem para os profissionais da saúde, nem para os professores. O nosso governador, Nealdo, é a mais perfeita personificação da nulidade irresponsável e satisfeita. Ele se sente à vontade, meu caro, ele se sente muito à vontade.