Vocês ainda não ouviram nada

“Esperem um minuto, esperem um minuto. Vocês ainda não ouviram nada! Esperem um minuto, estou falando”. A frase, dita pelo ator Al Jolson no filme O Cantor de jazz (1927), de Alan Crosland, representa um marco do cinema. Naquele ano, a indústria cinematográfica conheceria o elemento que mudaria para sempre a forma de fazer filmes: o som, e mais precisamente a voz, já que o som propriamente dito surgira um ano antes – em 1926 –, com Don Juan, estrelado por John Barrymore, o avô de Drew Barrymore. Claro que, como toda revolução, haveria resistência de muitos profissionais – atores e diretores – que não acreditavam na longevidade da fala na Sétima Arte. Chaplin, por exemplo, seria um dos que relutariam em fazer filme falado. Ainda hoje há quem sustente não imaginar Carlitos – o vagabundo mais famoso da história – falando. E ele permaneceu em silêncio. Mas o fato é que o cinema aprendeu a falar e tem deixado muita gente sem palavra desde então. Por essas e outras que a fala de Al Jolson continua tão atual e impactante. De fato, a gente ainda não ouviu nada. Se há dois anos seres criados em computador disputaram o Oscar de Melhor Filme com gente de carne e osso – e não seria surpresa nenhuma se Avatar tivesse tirado a estatueta de Guerra ao terror –, é sinal que a indústria ainda vai nos surpreender muito. A prova disso é O Artista (que estreia nesta sexta-feira, 10), um filme francês essencialmente mudo dirigido por Michel Hazanavicius e estrelado por Jean Dujardin e Bérénice Bejo. Numa época em que a tecnologia com seus efeitos 3D domina a indústria cinematográfica, um longa-metragem produzido com toda a técnica – e estética – dos filmes mudos é a sensação por onde passa. A obra conta a história de George Valentin – um ator de filmes mudos que vê sua carreira entrar em colapso com o aparecimento dos filmes falados – e de Peppy Miller, uma atriz que tem a carreira em ascensão justamente com as obras sonoras. Se em O Cantor de jazz Al Jolson protagonizou a célebre frase, em O Artista, Dujardin segue na direção contrária. A sua personagem representa a negação do som. “Eu não falarei! Não direi uma palavra!”, “diz” uma das personagens de George Valentin, logo no início do filme. A metáfora da fala/não-fala está presente em todo o filme, seja na descrença do protagonista (“Se isso é o futuro, pode ficar com ele!”, responde Valentin ao ser apresentado a um filme falado), seja na convicção dos empresários da indústria cinematográfica: “As pessoas querem caras novas, caras que falem”, diz um deles o ao ator em vias de fracasso. O fato é que a fala passa a ser, literalmente, o pesadelo de George Valentin. Aliás, a cena do pesadelo do ator no filme é simplesmente linda. Tecnicamente perfeita, como é perfeita toda a técnica empregada no longa. Cheio de metalinguagem, O Artista é, antes de tudo, uma belíssima homenagem ao cinema. Mas uma ressalva há de ser feita aqui: a linguagem do filme é essencialmente inspirada na estética muda, portanto é preciso ver o filme com olhares do final dos anos 1920 – quando o cinema era cheio de sonhos – a maioria simples, mas não menos belos. Ainda não vi os outros filmes candidatos ao Oscar deste ano, mas desde já, aposto minhas fichas no filme francês. Se, no ano passado, a academia privilegiou O Discurso do Rei, um filme que enaltecia justamente a fala, este ano, quem sabe não será a vez de O Artista, que privilegia o silêncio. Duvida? Ah, vocês ainda não ouviram nada.