Martinho da Vila e as meninas do Mossoró

Martinho da Vila tinha acabado de cantar a última música do show “Terreiro, Sala e Salão” e descansava no camarim do Teatro Deodoro – tomando uma água para se recompor do suor deixado no palco – enquanto aguardava a chegada fortuita de algum fã afoito por cumprimentos. Era dezembro de 1979 e, apesar da brisa noturna, fazia calor em Maceió. Mesmo assim, boa parte da sociedade alagoana fizera questão de ir à apresentação – boa parte vestindo terno, o que contribuía para aumentar a sensação térmica. Em turnê pelo Nordeste, o artista divulgava o LP lançado no início daquele ano pela BMG do Brasil. Muito elogiado pela crítica, o disco trazia músicas como “Deixa a Fumaça Entrar”, “Eterna Paz” e “Embalo da Vila”, além de um pot-pourri de marchinhas carnavalescas que iam de “Cidade Maravilhosa” a “O Teu Cabelo não Nega”. Nos corredores do teatro ainda ecoavam os versos “Vai com Deus, vai/ Que lá fora o sereno cai/ Vai com São Benedito...”, presentes em “Saideira”, quando um homem de paletó e chapéu impecáveis entrou no ambiente em que estava Martinho da Vila. “Vinha acompanhado de uma moça muito bonita que ele dizia ser sua filha”, relembraria o artista, muitos anos depois. Ele reconheceu a cópia de “Terreiro, Sala e Salão” que a moça segurava em uma das mãos, a outra entrelaçada no braço do homem de terno. “Ela quer um autógrafo”, disse o homem, depois de se apresentar: “Benedito”. “Como o São Benedito de ‘Saideira’?”, brincou Martinho. “Não. Benedito Mossoró, seu criado”. O cantor cumprimentou os dois. Pegou o LP das mãos da moça, assinou algo que ele não se lembra e o devolveu. “Pai” e “filha” foram embora, dando as costas para um Martinho impressionado com a elegância de ambos. Curioso, quis saber do produtor local do espetáculo de quem se tratava. “Fiquei sabendo que ele era proprietário de uma casa de tolerância frequentada por políticos e gente da alta sociedade alagoana e por isso era tolerada pela polícia e pelos governantes”, relembra Martinho, que também ficou sabendo que a moça que acompanhara Benedito Mossoró no camarim era uma das moças que ele empresava, “para não dizer caftinava”, nas palavras do próprio cantor. “Quase todas as suas pupilas eram moças expulsas de suas casas pelos pais, por estarem se relacionando sexualmente com alguém sem intenção de casar, e acolhidas pelo Mossoró, que as chamava de filhas”, continuou Martinho da Vila, versado na biografia do alagoano. “O Martinho frequentava essa ‘casa de massagem’?, quis saber Lídia Costa, a empresária dele, quando liguei para uma entrevista. “Que Martinho safadinho!”, brincou. Se ele conheceu as meninas do Mossoró? Bonachão, o cantor nega. Mas fez uma grande homenagem ao homem de terno e chapéu em “Só em Maceió”, gravada em 1981, no LP “Sentimentos”:


“Só em Maceió
Só em Maceió
É que se pode vadiar
Com as meninas de Mossoró
Com as meninas de Mossoró...”