Inutilidades Domésticas

Descobri, tomara que não tardiamente, que a indústria de utilidades domésticas é preconceituosa (e não se trata de preconceito entre sexos porque, felizmente nesse quesito, o setor parece ter decidido cortar o mal pela raiz – usando facas Guinsu, que rasgam até metal). Falo de preconceito para com os esquerdos. Certifico-me disso toda vez que preciso descascar uma laranja. Como Isaac Newton, que formulou suas famosas leis a partir da queda de uma maçã em sua cabeça, foi a partir de uma fruta que percebi como as coisas – quando se tratam de itens ecozinha – são feitas de maneira a favorecer somente os destros, o que cho errado.

Sei que não sou o primeiro a perceber isso, assim como Newton também não o foi em relação à Lei da Gravidade. Amigo meu morre dizendo antes do físico inglês, outro cientista já havia descoberto a tal lei. Infelizmente, teve o azar de estar debaixo de uma jaqueira, quando se deu o achado. Por isso que digo: não basta ser inteligente. É preciso estar no lugar certo, na hora certa. No meu caso, não precisei de uma jaca para reparar no preconceito industrial. Bastou-me uma laranja e uma faca de serra.

O que me incomoda de fato é que as lâminas das facas são feitas sempre de maneira a favorecer quem é direito. Em se tratando de cozinha, canhoto não tem vez. Salvo a xícara, que pra todo lugar que você pender, a asa está no lugar certo, nenhum outro objeto foi feito pensando em quem é esquerdo. Conclamo qualquer um a descascar uma laranja com a mão esquerda lançando mão (a esquerda, lógico) de uma faca de serra. Ou então tente abrir uma lata com um abridor de lata usando a mão canhota. É uma missão praticamente impossível, porque o infeliz que inventou o abridor achava que só existia gente direita no mundo.

Outro dia fui tentar pôr arroz doce num copo com uma concha cujo design contemplava os direitos e dei com os burros nágua. Metade do alimento caiu no chão porque – embora tenha a coordenação motora relativamente boa – não conseguia manejar o objeto a contento com a mão esquerda. Amigo meu diz que é preciso fazer uma revolução de mão) esquerda para corrigir o preconceito da indústria que, segundoele, não dá colher de chá para os canhotos (nem colher de chá, nem faca, nem garfo). Revoltado, diz que isso é coisa de americano, que tenta dominar o mundo a todo custo. Nesse quesito, fico com a visão que a minha filha Isadora tem dos americanos. Outro dia, ouvindo um disco do Elvis Presley – de quem gosto muito – ela me perguntou porque ele cantava em inglês. Expliquei-lhe que nos Estados Unidos, de onde o Elvis vinha, se falava inglês.

- Eu não quero falar inglês,porque quem fala inglês fica com a boca troncha – rebateu ela.

- Não é verdade, Isa. Não é bem assim. Veja só: I love you. Tá vendo? Falei inglês e não fiquei com a boca torta – rebati.

- Ah, mas é porque você não está nos Estados Unidos. Se você for pra lá, vai ficar com a boca troncha sim.