Meu Pintinho Amarelinho

Fico espantado com a relação que as crianças têm com animais de estimação. Se dependesse da minha filha, a casa seria transformada em zoológico. Tentativa para isso não faltou. De peixe a tartaruga, passando por cão, ela já teve de tudo. Poucos resistiram, é verdade. Outros tiveram que ser exilados porque, convenhamos, criar animais em apartamento não é uma tarefa fácil. Desses animais todos, o Ninguém (uma mistura de poodle com não-sei-o-quê) era o mais traquina (se é que se pode usar o termo para um cão). O nome foi escolhido por ela mesma e não teve jeito de mudá-lo. Era Ninguém e ninguém ousou tirar. Mas Ninguém era impossível. Pôs o apartamento de ponta-cabeça. E não tinha nem como culpá-lo, já que as coisas erradas que aconteciam eram culpa de Ninguém. Para não transformar o lugar num caos, Ninguém foi exilado na casa da avó. Ninguém reclamou... A última aquisição foi um casal de pintinhos, desses de todas as cores que se vende nas feiras, que ela fez a mãe comprar a título de cuidar bem deles (aliás, se alguém souber como diabos faz para pintar esses bichos de rosa, verde, azul e tantas outras cores, avise-me, porque isso sempre foi um mistério para o meu parco conhecimento avícola). Cuidar, ela até que tentou. Mas o primeiro não resistiu nem às primeiras horas. Foram tantos banhos, tantos cuidados que o coitado esticou as canelas, embrulhado em dezenas de metros de papel higiênico (não me pergunte porque ele estava enrolado com isso, porque a própria dona não soube explicar). O segundo, mais resistente, conseguiu sobreviver uma semana. Mas acho que ele tem culpa na morte, porque fazia questão de estar correndo riscos, procurando um pé humano para se aquecer. A primeira a saber da morte da criaturinha foi a mãe, que me ligou chocada para dar a notícia:

- Estou preocupada com a Isadora. Ela matou o pintinho.

- Como?

- Não sei. Acho que foi degola, algo assim...

Contrariado, fui saber com a própria personagem da história o que realmente tinha acontecido. Não sou versado em psicologia infantil, mas com o tempo (e o conhecimento que as próprias crianças nos passam) a gente acaba aprendendo alguns macetes.

- Cadê o pintinho, Isa? – fui perguntando assim, aparentemente desinteressado.

- Eu matei, pai... – respondeu ela, um misto de sorriso e desconfiança no rosto.

- Por que, filhinha?

- Ele fez muito cocô...

Ah, Isa. Você matou o pintinho só por isso?

- Não, pai. Ele fez cocô quando eu apertei ele na mão.