Quem Canta Seus Males Espanta
Ele cantava “Com que Roupa” enquanto procurava o par de meias na gaveta, quando ela decidiu fazer uma lavagem de roupa suja ou, como as mulheres preferem chamar, discutir a relação. Amavam-se muito, até se descobrirem brigando. Discutiam por tudo. Só não discutiam a relação. E por não discutirem, brigavam.
- “Eu hoje vou mudar minha conduta, eu vou à luta, pois eu quero me aprumar” – desdenhava ele, protegido pelos versos de Noel, enquanto ela não parava de falar, parada diante da porta.
- Já era tempo de você mudar mesmo... – disse, em tom irônico.
- Estou apenas cantando a música do Noel.
- E desde quando Papai Noel é cantor?
- Noel Rosa, mulher!
- Só conheço dele o Gingle Bells...
- Não estou falando de Papai Noel, que aliás nem existe... Deixa pra lá.
- O problema é esse. Você sempre com esse papo de deixar pra lá.
Ele deu de ombros e continuou cantando:
- “Vou tratar você com força bruta...”
- Ué, e você tem me tratado de outra forma nesses últimos vinte anos?
- Calma, mulher. Estou apenas cantando...
- Esse Noel realmente não tem nada de Bom Velhinho.
- Vem cá, você não conhece Noel Rosa?
- E você alguma vez me apresentou a algum amigo seu, por acaso?
- Noel Rosa não é meu amigo. Já morreu faz tempo. Sambista, entende?
- Ah, mais um malandro. Bem acompanhado o senhor anda, hein?
Continuou sem dar ouvidos:
- “E eu pergunto com que roupa, com que roupa eu vou...”
- Vê se consegue achar primeiro as meias aí na gaveta – debochou ela.
- Você sabe onde elas estão?
- Ué, as meias são suas. E outra: não é você que vive me dizendo que não tenho senso de direção? Que não consigo achar o caminho? Que isso que aquilo?
- Vai dizer que é mentira? Você se perde até no shopping!
- E você adora, né? Aproveita para ficar sentado por horas, enchendo a cara com os amigos, enquanto me espera...
- Cerveja como são as coisas – ironizou ele.
- Você e seus trocadilhos infelizes. Não se dá conta de que não têm graça nenhuma? – disse ela, aproveitando para desatar um rosário de imperfeições que ele tinha. Do monopólio do controle-remoto que a impedia de ver a novela à dependência a ela, que o impossibilitava inclusive de encontrar um par de meias na gaveta.
- Não sou como você, que costuma achar um cabelo na minha camisa a quilômetros de distância.
- Mas não invento. Ou vai dizer que é mentira as perucas que costumo encontrar nas suas roupas?
- Claro que é!
- Eram claros mesmo os cabelos. E o que é pior: não eram meus...
- “Eu hoje estou pulando feito sapo, pra ver se escapo dessa praga de urubu...”
Ela viu que ele era um caso perdido. E mentalmente lançou mão do Chico para cantar “Gota D´Água”.
This entry was posted on 27 de julho de 2005 at 12:20 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
# by Choninha - 1:23 PM
..............Com que roupa eu vou no samba que você me convidou........
Vou ficar fã deste blogue.
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