Regime
Comecei uma dieta. Em pouco tempo, já fui perdendo a paciência. Era óbvio, dado o número de olho gordo que torcia contra. Além disso, no íntimo, sabia que não funcionaria desde a hora em que o médico me recomendou cortar os líquidos. Minhas tesouras só conseguem cortar sólidos. As recomendações médicas também me pediam para fechar a boca, como se eu comesse de boca aberta, oras. Por isso, por alguns dias fiquei olhando para o receituário e, depois de algum tempo, decidi fazer como o Corinthians: deixar para começar na segunda. Minha pressão – o motivo da dieta repentina – não deve me impressionar tanto assim até lá, pensei. Por ora, tenho que abandonar os alimentos gordurosos e me concentrar nas folhas. É tanto verde no regime que se alguém vir o cardápio vai achar que estou devastando a Amazônia. "Ou você enfrenta o verde ou a coisa vai ficar preta", alertou o médico, vestido de branco. Ruborizei, mas decidi que se é pras coisas ficarem claras, vale o sacrifício. "Coração, você pode ter um infarto", tentou me encorajar a enfermeira. Como sou precavido, ainda tentei fazer um plano funerário – tentando deixar as coisas mais ou menos ajeitadas, numa forma de não dar trabalho a ninguém – mas o valor das mensalidades estavam pela hora da morte. Adiei a idéia de morte. Melhor: parcelei-a em suaves prestações. Melhor modificar os hábitos alimentares. Ontem, fui fazer uma despedida dos alimentos calóricos. Escolhi um restaurante que tem uma vista deliciosa de Maceió e uma comida nem tanto. Mas tem feijoada, que me faz perder a cabeça (você pode me incriminar por isso, mas pense no porco, que além da cabeça perde rabo, pés, orelhas). Como era almoço de despedida, caprichei no prato. Mal dei a primeira garfada, vi uns pelinhos no primeiro pedaço de carne. "Não há de ser nada. Vai ver que o porco esqueceu de se depilar", pensei. "Sabe como é essa história de morrer de véspera. A criatura suídea está lá, à vontade, fazendo porcaria, e de repente vem o hominídeo e crau, a porca torce o rabo. Decidi então examinar atentamente os tais pêlos. E eis que saíam do nariz do porco. Sim, o tal pedaço de carne era o focinho do infeliz – com direito a escorrimento de muco nasal. Aqui eu faço um intervalo. Tenho três décadas de feijoada nas costas. Já comi de tudo do nosso amigo suíno: orelha, pé, joelho. Até o rabo do infeliz eu comi – sem duplo sentido. Mas nunca na minha vida de feijão-preto e toucinho tinha ouvido alguém dizer que se usava focinho de porco como ingrediente de feijoada. Por isso levei um choque olhando aquela imitação de tomada à minha frente. Decidi não comer. Vai que o infeliz estivesse gripado. Em vez disso, pedi algo para beber. Não sem antes ter vontade de pegar um guardanapo e assoar o nariz da criatura sobre o prato. Mas preferi ficar brincando de enfiar feijão no nariz do porco. E pensando com meus botões que o médico estava certo. Tenho mesmo que iniciar uma dieta.
This entry was posted on 12 de dezembro de 2007 at 5:29 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
# by Anônimo - 10:16 AM
Vamos lá companheiro, estou nessa luta com você! Viva as barrinhas de cereal! Viva os cookies - sem duplo sentido! ÊÊÊêêê...
# by Anônimo - 10:18 AM
Ou melhor: Viva somente os cookies, já que as minas barrinhas de cereal costumam vir com plástico por fora e por dentro.
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