O homem que engarrafou o diabo
Nesse momento o meu vizinho apareceu e disse que eu estava lascado, porque quem vê o mofento está predestinado a sofrer a vida inteira. “A não ser que o prenda numa garrafa”, sentenciou. Achei que o vizinho estava lendo cordel demais, mas como se tratava de um sonho – e no sonho a gente não sabe o que é verdade ou mentira – tratei de elaborar um plano pra engarrafar o rabudo. Então pensei: “Esse condenado deve estar com uma fome do demônio!”. Providenciei uma tartaruga de cera e assentei-a dentro d’água (não me pergunte onde diabos eu fui arrumar cera. Era sonho, e sonho pode tudo, até engarrafar o treloso). E por que a tartaruga? Não sei. Vai ver que meu raciocínio estava lento. Pensei que se fizesse um peixe de cera, ele ia ficar lá no fundo do rio, e como peste eu iria pegar o galhudo, nas profundezas das águas turvas? No que eu botei a tartaruga no rio, o chifrudo mergulhou para agarrá-la. Foi com tanta força que se enfiou na carapaça do bicho e ficou preso em seu corpo. Aí foi fácil pegar o beiçudo. Puxei o bicho pelo rabo e segurei-o numa das mãos. Os espetos das orelhas me furando os dedos e eu quase mandando ele pro quinto dos infernos. Não mandei porque seria premiá-lo, mandando-o de volta pra casa. E o vizinho, que se chama Leão e pelo jeito era fera em assunto arrenegado, disse: “Agora é preciso encontrar uma garrafa pra enfiá-lo boca adentro”. Eu pensei numa PET. Entrei em casa atrás de uma. Mas foi entrando com o chavelhudo na mão e o vizinho gritando da porta: “Agora lascou tudo! Você não podia entrar com o fioto dentro da sua casa não. Agora ele não vai mais querer sair”. “Oxe, e esse rola-bosta é capeta ou vampiro?”, espantei-me com a crise de identidade do futrico. Sim, porque eu sabia que vampiro era que não podia ser convidado a entrar porque, uma vez dentro, tascava os dentes no cangote da vítima e aí já era. “Pelo menos procure uma garrafa resistente, porque de plástico o coisa ruim rasga no dente”, foi logo atalhando o vizinho.
O pior é que em casa não tinha sequer um vasilhame de cerveja. Até tinha, mas achei que seria demais contemplar o cão com o cheiro de Bohemia. Desisti. Mas não por isso. O traste é que tinha a cabeça grande, não passava pelo gargalo. A solução foi botar o infeliz num frasco de café solúvel. Entretanto, toda vez que eu ia fechar o vidro, a tampa ficava menor que a boca. Eu tirava o cão de dentro e a tampa voltava a ficar do tamanho normal. Pensei até em ganhar dinheiro com o capeta, me passando por mágico. Mas como não queria negócio com o Essência de Enxofre, tratei logo de arrumar outro vidro, no que passei o dia todo. Já estava cansado, com a mão doendo de tanto apertar o pescoço do bicho, quando encontrei um preto velho - desses que a gente encontra em História de Trancoso.”Ih, misifio! Tua penitência vai ser segurar o cão pro resto da vida”, sentenciou. “Que inferno!”, pensei. “Mas tem solução”, falou, soltando uma baforada do cachimbo. “De noite ele perde as forças. De dia é que é loita. Misifio vai ter de trocar o dia pela noite, se quiser sossego. Vai ter de se ocupar em brincar com o fute a noite toda, pra que ele perca as forças...”. Foi ele dizendo isso e eu me acordando, ainda sentindo dores na mão. Por via das dúvidas, não voltei a dormir. E desde cedo tenho pensado nas brincadeiras que terei de inventar para passar as noites.
This entry was posted on 28 de julho de 2008 at 12:48 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
# by Paulinha Felix - 5:50 PM
Começo rindo, termino rindo, sem medo.
Tu mexe até com o "outro"!! Pra tuas palavras, não tem coisa ruim mesmo! Adoro!!
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