Em algum lugar do passado

Quem lê, viaja. É certo. E quem lê jornal velho, faz viagem no tempo em bonde puxado a burro. Pensei nisso ao folhear as edições de novembro de 1927 do Jornal de Alagoas, um periódico que se ainda estivesse em atividade, teria completando 100 anos em 2008. Fundado em julho de 1908, por Luiz Silveira, com o objetivo de fazer oposição à oligarquia dos Malta, o matutino funcionava num sobrado de primeiro andar localizado no número 115 da Rua da Boa Vista, no Centro de Maceió – a poucas dezenas de metros de uma pensão onde se hospedou Graciliano Ramos em 1930, quando assumiu a diretoria da Imprensa Oficial, logo após ter renunciado a prefeitura de Palmeira dos Índios. O ex-prefeito, aliás, foi um dos assíduos colaboradores do jornal, ao lado de Aurélio Buarque de Holanda, José Lins do Rego, Eustáquio Gomes (antes de se tornar conjunto residencial) e tantos outros. Na época, a redação não dispunha de máquina de escrever – a exceção era a utilizada pelo chefe de Redação, que tomava emprestada a máquina do setor financeiro, depois que os profissionais deixavam o prédio. Os jornalistas escreviam à mão – alguns em letras indecifráveis (Zé Lins do Rego era um dos que produziam em garatujas). Na oficina de tipos, onde eram construídas uma a uma as palavras que iriam compor a página, o cheiro de chumbo e tinta misturava-se à fumaça de cigarros que impregnava o ambiente, junto ao olor da cachaça e da cerveja Polônia, em moda na época.

Com apenas oito páginas, o Jornal de Alagoas era fechado altas horas da noite, o que fazia com que os profissionais notívagos saíssem de vez em quando para descansar a cabeça nalgum bar das redondezas, entre goles de aguardente e conversas. Muitas vezes, devido à demora na elaboração dos textos, os trabalhadores da oficina aproveitavam para ir ao Cine-Teatro Delícia ou Cinema Floriano, conferir as novidades das fitas americanas estreladas por divas do cinema.

Nesses locais, a mocidade se encontrava, trajando elegantes roupas de fazenda, cabeças bem penteadas e barbas aparadas à navalha ou Gillete.
No comércio, propagandistas anunciavam as novidades nas lojas – América, Paris e tantas outras.
Na época, Leite Moça era “insubstituível na alimentação das 'creanças' e pessoas fracas”.
Nas ruas, pedestres dividiam espaço com rapazes montados em suas Britanias, última moda na cidade.
De vez em quando, abria-se espaço para a passagem de um caminhão Opel carregado de produtos que seriam despejados em algum estabelecimento comercial.

Quando calhava de alguém adoecer, era bastante recorrer a alguns médicos de plantão na cidade – que anunciavam suas especialidades nas páginas do Jornal de Alagoas. Ou experimentar os poderes anunciados por alguns medicamentos. E a vida seguia num ramerrão sem fim. E por aqui vou ficando, porque força de vontade chegou aqui e parou. Com preguiça...

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    # by Unknown - 11:21 AM

    Nealdo, os anúncios podem até não ser mais os mesmos, mas certas manchetes antigas ainda soam mais que atuais.

    Certa vez eu estava na Vila Chamusca, lá em Ipioca, e a dona do lugar (eu acho) apareceu com uma edição das antigas desse jornal. Eis que entre as chamadas salta uma que dizia algo mais ou menos assim: "Deputado fulano vai provar que colega de Parlamento é bandido".

    Pois é. A ALE já fazia vergonha desde aquela época...

    Abração!