Fama e Anonimato


Em 2004, a Cia. Das Letras lançou Fama & Anonimato, do jornalista americano Gay Talese. A editora vendia a obra com a seguinte observação na capa: “O lado oculto de celebridades, a fascinante vida de pessoas desconhecidas e um inusitado perfil de Nova York, por um mestre da reportagem”. Entre muitas outras coisas, me chamou a atenção o tal perfil inusitado: “Nova York é uma cidade para excêntricos e uma central de pequenas curiosidades. Os nova-iorquinos piscam 28 vezes por minuto, quarenta quando estão tensos. A maioria das pessoas que comem pipoca no Yankee Stadium para de mastigar por um instante, pouco antes de um jogador fazer um arremesso. As pessoas que mascam chicletes nas escadas rolantes da Macy's param de mascar por um instante, logo antes de descer - para se concentrar no último degrau. Os funcionários que limpam o tanque dos leões-marinhos do zoológico do Bronx costumam encontrar moedas, clipes de papel, canetas esferográficas e bolsinhas de meninas. Todo dia os nova-iorquinos enxugam 1,74 milhão de litros de cerveja, devoram 1,5 mil toneladas de carne e passam 34 quilômetros de fio dental entre os dentes. Todo dia morrem cerca de 250 pessoas em Nova York, nascem 460, e 150 mil andam pela cidade com olhos de vidro”.Fiquei por um bom tempo me perguntando por que juntar histórias de famosos e anônimos ao perfil de uma cidade. Com o tempo descobri que, no fundo, as pessoas são como as cidades. Superficialmente, todas as cidades se parecem: todas têm belezas que encantam os turistas; bares que chamam mais atenção do que outros; um lugar que agrada mais; um defeito em comum. Pessoas também são assim, com qualidades e defeitos em comum. Uma análise mais atenta, no entanto, vai revelar os segredos e particulares que passam despercebidos ao olhar trivial. Gosto, por exemplo, de observar Maceió na madrugada, quando a grande maioria da população dorme e é possível sentir as vozes da cidade: uma música que se escuta além e vem trazida pelo vento com notas dispersas; uma conversa ao longe, que também chega cortada, mas se percebe que há seres vivos nalgum lugar; um riscado de pneu no asfalto que deixa antever a pressa de quem precisa cortar a noite para chegar seguro; o apito do guarda noturno, que marca o silêncio como uma cicatriz disforme... Mesmo cansado, sinto alegria quando saio do trabalho nas madrugadas de sexta e vou varando ruas desertas até chegar em casa. A cidade parece me abraçar, igual a alguém que acolhe nos braços o amante que volta.