“Não me deixes!”
Um dos meus grandes prazeres diários é levar minha filha à escola. Apesar do calor, do trânsito de meio-dia e dos motoristas que insistem em desrespeitar as leis de trânsito, os poucos minutos em que divido o carro com ela são tão gratificantes que dá vontade de ficar rodando o quarteirão da escola initerruptamente, sem vontade nenhuma de parar. Exceto os dias em que ela dorme comigo – as quartas e o fim de semana quinzenal –, nossas conquistas diárias são discutidas por telefone ou no carro, a caminho da escola ou do balé (dela, fique-se claro): o seu primeiro dia de aula com as sapatilhas de ponta; minha última viagem; mais um dente-de-leite entregue à Fada do Dente etc. Para dar tempo de ouvir as novidades, duplico os quarteirões que separam a escola da casa dela –num trajeto que não levaria mais do que cinco minutos, se eu não quisesse transformar, pelo prazer de estarmos juntos, os poucos quilômetros em pelo menos o dobro de distância, como se não quisesse nunca chegar. Hoje, no caminho até a escola, ela declamou “Não me deixes!”, de Gonçalves Dias, que ela tem ensaiado para apresentar na sala de aula, no projeto de Literatura da escola:
Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava:
“Ai, não me deixes, não!
“Comigo fica ou leva-me contigo
“Dos mares à amplidão;
“Límpido ou turvo, te amarei constante;
“Mas não me deixes, não!”
E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
“Ai, não me deixes, não!”
E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
“Ai, não me deixes, não!”
Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que a não deixasse, não.
A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
“Não me deixaste, não!”
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava:
“Ai, não me deixes, não!
“Comigo fica ou leva-me contigo
“Dos mares à amplidão;
“Límpido ou turvo, te amarei constante;
“Mas não me deixes, não!”
E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
“Ai, não me deixes, não!”
E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
“Ai, não me deixes, não!”
Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que a não deixasse, não.
A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
“Não me deixaste, não!”
This entry was posted on 6 de abril de 2010 at 3:44 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
# by Karla Patricia - 5:54 PM
Ai... que lindo! Cada texto relatando sua convivência com sua filha, me apaixono mais por essa relação.
Bjo, viu?
# by Márcia - 7:03 PM
Não te conheço, mas já tenho um carinho enorme pelo teu trabalho, humoristico sim, mas de vez em quando posta coisas que mexe com o sentimentos de quem os lê... este foi um deles.
Não tenho filhos [um dia terei], mas posso imaginar o que sentiste ao ouvir estes versos...
Mas é claro que não és capaz de deixá-la. nao é?
*Filhos são "eternos" e pais "imortais". BONITA RELAÇÃO. PARABÉNS!
# by Débora Guedes - 4:32 PM
A Bela menina Isa...
Flor que perfuma e enfeita de beleza e pureza a vida de Nealdo
Amor forte que não há como não se apaixonar por tanta ternura...
Creio que nós, leitores do blog, fazemos parte de um fã clube especial. Em um tempo onde as relações são descartáveis, onde laços familiares parecem dissolver como açúcar, existe aqui a prova viva, forte, perene de que a amor vence a distância e se fortalece no tempo.
Como sabes, sou uma criatura musical. E lendo seus posts sobre a bela menina Isa, lembrei do Rei Roberto Carlos:
"Quando digo que te amo
Não estou dizendo nada
Não encontro as palavras
Do tamanho desse amor...
E se alguém me perguntar
Se é possível se medir o meu amor
Eu vou falar
Que o mesmo que contar
Com um conta-gotas
Quantas gotas tem o azul do mar
Mas se você quer saber
O tamanho desse amor que é tão bonito
Eu não sei o dizer
Pois não sei qual o tamanho do infinito..."
Mas ao ler este texto, onde descreves sua tentativa "esticar o tempo" em que ficas ao lado dela, me veio outra música de Roberto, especiamente para este momento. Segue a letra na íntegra.
"Meu bem qualquer instante
Que eu fico sem te ver
Aumenta a saudade
Que eu sinto de você
Então eu corro demais
Sofro demais, corro demais
Só prá te ver
Meu bem!...
E você ainda me pede
Para não correr assim
Meu bem eu não suporto mais
Você longe de mim
Por isso eu corro demais
Sofro demais, corro demais
Só prá te ver
Meu bem!...
Se você está ao meu lado
Eu só ando devagar
Esqueço até de tudo
Não vejo o tempo passar
Mas se chega a hora
De ir prá casa te levar
Corro prá depressa
Outro dia ver chegar
Então eu corro demais
Sofro demais, corro demais
Só prá te ver
Meu bem!..
Se você vivesse sempre
Ao meu lado eu não teria
Motivo prá correr
E devagar eu andaria
Eu não corria demais
Agora, corro demais
Corro demais
Só prá te ver
Meu bem!..."
E com tantas músicas, acho que acabarei produzindo um cd!
Risos...
Beijinhos
Postar um comentário