Tapa de Humor

Antes mesmo de aprender a andar, a Isa deu seus primeiros passos na música. Bastava ouvir o Cabruêra tocar no som para ela engatinhar até a sala, equilibrar-se sobre os pezinhos miúdos e balançar o corpo desengonçado. Isso já faz muito tempo. Mas a lembrança retornou com força hoje, ao levá-la, vestida de bailarina, para a aula de balé. Ao descer do carro, ela me olhou feliz e me desejou bom trabalho. E eu, boquiaberto, percebi os primeiros sinais de mocinha surgindo sob o maiô, enquanto no rádio do carro o Chico Buarque tentava me acalantar em vão. “Futucando bem / Todo mundo tem piolho / Ou tem cheiro de creolina / Todo mundo tem um irmão meio zarolho / Só a bailarina que não tem”. Reparando bem, a gente descobre que o Chico está errado porque, no fundo, no fundo, todo mundo tem pereba, só os nossos filhos que não tem. Fiquei com uma sensação estranha ao longo do dia, até reencontrá-la no início da tarde, para levá-la à escola. No caminho, durante as conversas rotineiras, lembrei de como ela gostava de dançar, antes mesmo de aprender a andar. Inconscientemente, perguntei em voz alta pela criança de fraldas que não sabia falar, nem andar, mas sabia encantar de uma forma que me deixava mudo. Com olhar vago – como se estivesse olhando para o passado – ela me respondeu, meiga: “Cresceu, pai. Cresceu”.