Convite*


“Somente o cinema poderia proporcionar isto”.
(Al Jolson, em “O Pianista do Silencioso”)

Um dia me questionaram como decidi escrever um livro. A pergunta me fez remexer em velhas gavetas, e por um instante me lembrei do tempo em que nem sabia o que escrevia, mas escrevia mesmo assim. Eu sou teimoso, que se fique claro.E por teimosia, já fui parnasiano, como Bilac:

“És o sonho que chega de mansinho
Arrastando-me novamente à vida
És como a brisa eterna e mais querida
Chegando quente a me fazer carinho”.

Já fui romântico, tal Castro Alves:

“Quando todos pensam que estou alegre, minh’alma esvai-se em fina gota”.
E realista como o Machado:

“Tu que pegaste estes papéis e principias em lê-los, deves estar sentindo um breve – senão um forte – cheiro de bolor. Não te incomodes. A maioria destes escritos foi posta à luz quando eu ainda tinha o ímpeto da juventude; nos tempos de minha inquietação e vitalidade de rapaz. Mas não é de todo velho. Neles encontrarás partes assinadas há pouco tempo, e até recentes, quando me encontrava com a saúde perturbada”.
Já fui moderno como Jorge, o amado:

“De súbito ouviu-se um tiro. Silêncio. Parou-se a luta. Onde havia sido aquele tiro? – perguntavam-se. Os policiais se aproveitaram da inércia dos feirantes e jogaram o resto de bancas. Mais além se ouviu uma voz trêmula:
- Aninha está morta! Os desgraçados mataram a Aninha!
No chão, estendido sobre uma poça de sangue, o corpo miúdo da vendedora de peixe, alegria e tristeza de agora, cantada em ABC de Obinha, o cego repentista”.
Quando adolescente, cheguei a limpar gavetas, jogando fora muita coisa – a maioria sem importância – até descobrir que mesmo vazias, as gavetas guardavam minhas memórias literárias, fossem elas boas ou ruins. Teria, portanto, que me desfazer delas – as gavetas –, o que nunca consegui porque, mesmo torpes, muitas lembranças me tomavam de assalto e me levavam para lugares pouco visitados. Ao responder a pergunta, me dei conta de que você não decide escrever nada. Simplesmente é levado pelo pensamento por caminhos inesperados. E de repente você se vê brincando de Deus, a escrever torto por linhas certas (sim, eu sou um deus aleijado).
 Por que me lembrei disso agora? Porque às 9 horas desta sexta-feira, dia 16 de julho de 2010 – exatos 3 anos desde o lançamento de “O Pianista do Silencioso” – o livro será tema de uma banca do curso de pós-graduação da Academia Alagoana de Letras/Universidade Cidade de São Paulo. Chama-se “O Reverso da História – Ficção e Realidade em O Pianista do Silencioso”, de  Maria Cícera dos Santos e Paula Vieira Felix da Silva, que me mandaram uma cópia primeiro, privilégio que me deu um misto de ansiedade e prazer. Quando li o trabalho pronto, não evitei as lágrimas (concordo, este texto está meloso. Quem preferir, pode abandonar a leitura aqui. Os que insistirem nela, eu peço desculpas, mas vou continuar meloso). Imediatamente me lembrei de uma entrevista do Jô Soares falando da primeira vez que viu o filme O Xangô de Bake Street (baseado em livro homônimo seu). “Era uma sensação estranha imaginar que todos aqueles seres que ‘passeavam’ pela tela saíram da minha cabeça”, espantava-se o humorista. Espantei-me do mesmo jeito. Estava ali, em minhas mãos, um trabalho acadêmico falando de “pessoas” como Dago, Biana, Xié e Caetano que não existiam até o dia em que eu – pelas mãos da literatura – resolvi dar vida a elas.
 Certamente estarei lá para ver a apresentação das acadêmicas, acompanhado de Dago, Biana, Saruaba, Xié, Caetano, Al Jolson e todas as prostitutas da Rua da Mãe, porque também elas – com seu cheiro de sexo e perfume barato – têm um valor sentimental neste caminho trilhado com teimosia e paixão. Depois, certamente me embriagarei com aguardente barata nalgum bar que me remeta à poesia dos tempos em que criei todos esses seres mágicos. Sei que na vida real, o Príncipe das Marés (o delicioso bar do pescador Saruaba) não existe. Mas é nele que ainda hoje me embriago de felicidade, com cachaça servida por Xié, seu fiel ajudante. Também na vida real, muitos conflitos passados em Rio Branco (atual Arcoverde) não passaram de invencionices da minha mente. O amor entre Dago e Biana? Ah, leiam para descobrir. Quanto ao trabalho da academia, quero dizer que poucas vezes experimentei sensação tão boa. Se é ficção ou realidade? Não sei. Deixem-me sonhar primeiro. Quando acordar, eu descubro.

*Para Isa, feminino de Paraíso.

  1. gravatar

    # by Débora Guedes - 10:22 AM

    Sniff! Sniff! Sniff!

    Eu li e descobri. E descobri muito mais do que um amor. Revelou-se na tela dos meus olhos, a alma apaixonada de um poeta.
    Jamais esquecerei o encantamento produzido pela leitura desta obra, nem as risadas sonoras, agudas, quase estridentes que se esvaíam de minha boca, ou as lágrimas que desceram pela minha face sonhadora. Sim, o texto é meloso, mas o mel é de engenho, de cana, doce e forte como as personagens retratadas em linhas tão bem traçadas.

    Parabéns, meu amigo!

    Sua emoção, me emociona também.
    Beijocas em sua poetISA.