Um pedido de desculpas

Estou no jornalismo desde 1994, e mesmo tendo me formado somente dois anos depois, passei por algumas redações e assessorias como estagiário. Em todas, aprendi muito, tive grandes mestres, alguns que se tornaram bons amigos. Gosto da minha profissão. Encanta-me a ideia de contar histórias de pessoas comuns – algumas delas tristes –, de saber que a minha profissão é útil à sociedade. Sei que é lugar-comum, mas se me perguntassem que outro curso gostaria de fazer, eu responderia sem pestanejar que não me vejo fazendo outra coisa que não seja jornalismo. Barulho de redação, frenesi de repórter saindo às pressas em busca de notícia, telefone tocando em demasia, pressão de fechamento de edição, bronca de chefe, tudo isso se mistura ao ar que respiro. E não me peçam para respirar algo mais puro, porque não me acostumaria. Entretanto, o jornalismo também tem um lado ruim. Quem gosta de exercer a profissão como convém, sabe que jornalismo aprisiona. Notícia não tem hora para acontecer e geralmente acontece nas horas mais impróprias. Portanto, querer sair na hora planejada nem sempre é possível, principalmente para quem preza por compromisso com o leitor. Por que me lembrei disso agora? Enquanto edito uma matéria para o jornal de amanhã, minha filha está participando de um campeonato de ginástica rítmica. Um dia antes, havíamos – eu e ela –falado sobre o assunto, ela toda empolgada, eu mais ainda por vê-la com um brilho especial no olhar. Vinha treinando há meses, chegando em casa muitas vezes em horários inoportunos, cansada, mas feliz, porque a ginástica é um dos seus grandes prazeres. Há pouco, mandou-me uma mensagem pelo celular. “O campeonato vai até umas 10h”. Chego a olhar para o relógio e vejo que estou atrasado. Em tudo –com as notícias que ainda restam para editar, com o deadline do jornal –, mas principalmente atrasado para o campeonato da minha filha. Ligo para a mãe dela e descubro com tristeza que ela já está prestes a se apresentar. “A turminha já está se arrumando, não dará tempo de você chegar”, lamenta a mãe. Desligo o telefone e ligo o piloto automático, tentando terminar o trabalho que me resta. Ao terminar, desligo o computador mecanicamente. Ainda não sei como foi a apresentação. Não sei se a minha filha ganhou. Desligo o computador e deixo o jornal com um sentimento de derrota. Vou deixando pelo caminho uma série de pedido de desculpas à minha filha...

  1. gravatar

    # by Fábio Costa - 9:55 AM

    Durante muitos anos vivi essa realidade e queimei meu filme muitas vezes com a família. O pior é que são momentos que não voltam e ficam marcados em ambos.

  2. gravatar

    # by Alexandre - 10:20 AM

    Meu caro Carlos, muito bom texto. Sempre fico confuso por ler coisas tão tocantes no "tapa de humor".
    Solidarizo com sua luta. Não choremos pelos momentos que não voltam: criemos novos momentos.

    Abs

    Alexandre

  3. gravatar

    # by Lenilda Luna - 11:04 AM

    Querido Nealdo, quem de nós não vai acabar acumulando alguns desses pedidos de desculpa pela vida?! Mas com certeza, nossos pequenos sabem que fazemos o maior esforço para estar presentes sempre!

  4. gravatar

    # by Simone Moura e Mendes - 4:29 PM

    Aquele momento não se repetirá, mas você pode compensá-lo entregando sua alegria noutras circunstâncias. A Isa vai entender o seu esforço. Bem Nealdo, vou uma grande satisfação reencontra-lo fazendo o que mais gosta de fazer,além de curtir a Isa: produzir humor artístico. Reitero meu convite ao acesso e permanência em meu blog www.simonemouramendes.com , eis que marca meu reencontro com as letras e, doravante, com crônicas,além das poesias. Lembre-se que se você está bem com o que faz, é porque já tem o sucesso internalizado. Parabéns!

  5. gravatar

    # by Felipe Lucena - 4:15 PM

    Eu sei o que é isso. Ainda não tenho filhos, mas minha família, minha namorada e meus amigos que não são da área sofrem. E olha que ainda nem estou em uma grande redação de jornal. Mais uma vez: parabéns pelo blog. Me identifico muito.