Mãe Tirana

“E você vai crescer,
Sonhar, sorrir, sofrer
Entre vilões, moinhos, dragões e poucas fadas”
.
(Toquinho)

 
Gosto é passional e cada um deve fazer questão de se apossar do seu – o que faz muito bem. Por isso, deixe-me falar da minha paixão. A cena mais bonita que eu vi no cinema, nos últimos tempos, foi a sequência das lanternas subindo aos céus em Enrolados, a versão da Disney para Rapunzel, dos Irmãos Grimm. É impossível não se emocionar, especialmente se as imagens forem vistas em 3D. (Aliás, em minha opinião, o cinema em 3D é a melhor arma que a indústria encontrou para combater a pirataria. Mas isso é assunto para outro post). Saí do cinema pensando na cena e, ainda hoje, algumas semanas depois de ter visto o filme, fecho os olhos e vejo lanternas passeando a minha volta. Mas para chegar até elas, meu pensamento repousou primeiramente na bruxa da animação. E imediatamente me recordei de quantas mães – assumindo o papel de Gothel – privam os filhos de conhecer as belezas – e por que não? – os desprazeres da vida. Porque a vida é feita de vilões e fadas, como na música de Toquinho. “Mães, por favor, deixem que seus filhos vejam a luz”, foi o que tive vontade de dizer para todas as mulheres ao sair da sala de exibição. Especialmente para as que assumem o papel de mãe tirana. E infelizmente, há várias. Muitas vezes, a tirania vem travestida de cuidados. “Eu sei o que é melhor para você” e “Eu faço isso para o seu bem” são frases tiranas usadas por muitas mães para prender os filhos, cerceando-lhes a liberdade e o direito de enfrentar o mundo. Esquecem-se que os filhos precisam voar. Esquecem que os filhos têm sentimentos, desejos e necessidades próprios. Eu não imagino um pássaro, por exemplo, dizendo aos filhotes, ainda no ninho: “Voar é muito perigoso. Deixe que eu voe por você”. Eu conheço muitas mães tiranas que se comportam exatamente como a bruxa Gothel dos contos de Grimm: a que impede que os filhos vejam o pai; a que dá um presente em troca de afeto; a que quer arranjar o futuro perfeito para os filhos, numa forma de acabar com a frustração do futuro que não teve; a que ensina que “ter” é melhor que “ser”; a que chantageia com o amor que diz possuir pelos filhos; a que torce contra o namoro da filha, mesmo vendo a felicidade nos olhos da moça; e, principalmente, a que não ouve o que os filhos têm a dizer. O filme retrata isso de forma deliciosa – a sutileza do toque do pé da princesa na grama, pela primeira vez, é sublime. A cena faz a gente “ouvir” um “pela primeira vez, estou andando com meus próprios pés, e é delicioso”. Claro que a princesa do filme carrega culpa. Principalmente a culpa de ser feliz. E todos os “delitos” foram impostos por quem? Pela “mãe Gothel” – como os Grimm chamam a bruxa. Também como na música de Toquinho, no longa-metragem da Disney há vilões, moinhos, dragões e poucas fadas. Por tudo isso, Enrolados é um dos melhores contos de fadas que o cinema já produziu. Recomendável a todas as mães. Portanto, mães zelosas, vão correndo assistir. E aproveitem para levar a bruxa que há em vocês. Mas, por favor, deixem-na no cinema. Seus filhos agradecem.

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    # by Débora Guedes - 2:31 PM

    Nealdo,

    Quando li seu post, me veio à lembrança, várias situações das quais tomei conhecimento. E que de tão dominadoras que eram essas mães, colocaram em xeque a felicidade de seus filhos. A mais recente, foi de uma mãe, que ao descobrir que sua filha de 12 anos, havia entregado sua pureza a um garoto, a fez casar, para que a sociedade não falasse mal da família. Um parêntese, é que o rapaz é usuário de drogas e hoje, a criança menina, é mãe de outra criança.
    Tudo porque as mães "sempre" sabem o que é melhor para seus rebentos.
    Queridas mães: Abram seus olhos, enxerguem a luz! Ela não ofusca, não machuca, garanto.
    permitam que seus filhos voem. Permitam que eles escutem a própria voz.

    Porque o mundo precisa de mais fadas e menos bruxas.

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    # by Anônimo - 2:44 PM

    Vou reescrever o mesmo que deixei no msn.
    (Respondi o que achei do seu texto com um RT*) *twitter
    Não que eu seja uma mãe tirana.
    Assisti o filme com Miguel.
    Mas, ver o filme com seus olhos “FICA BEM MELHOR”

    Adorei o texto!
    Parabéns, Nealdo!

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    # by Henrique Gusmão - 1:32 PM

    Caro Carlos,

    Sou pai de uma menina de quatro anos, a Carol. Infelizmente, por incompatibilidade, me separei da mãe dela. E infelizmente, depois disso, tive que me afastar do convívio diário da minha filha, a quem amo muito e quero bem. Há uma semana, fui ver Enrolados num cinema aqui de São Paulo, acompanhado da minha filha. Eu adoro filmes infantis, mas não tinha reparado em detalhes tão claros como os que você cita nesse texto. E tomei um choque e despertei para o fato de como minha ex-mulher usa a minha filha para me fazer refém. Quer seja ditando o que é melhor pra ela, quer seja inventando viagens "legais" para me privar da companhia da Carol. Tudo isso não é explícito. Vem disfarçado num "vai ser bom para a sua filha"; "ela precisa se divertir", "ela está de férias, tem que viajar". Quando terminou o filme, minha filha olhou pra mim e disse: pai, eu sou feliz. Ah, como eu queria que a mãe dela soubesse que todo filho precisa de pai e mãe.

    Obrigado pelo texto, Carlos. Obrigado por sua sensibilidade.

    Um abraço.

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    # by Anônimo - 11:06 AM

    A pior forma de tirania é a que se utiliza da condição feminina para praticar o mal.

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    # by Débora Guedes - 11:49 AM

    Com seus textos e nossas conversas, comecei a gostar da Isa mesmo sem nunca ter visto ou conversado com ela. Por isso, quando a saudade dela aperta, venho aqui e exprimo o que sinto, pois na beleza de seus textos aprendo a conhecer mais o seu feminino de paraíso. A sua Isa.