Pra começo de conversa

E depois do começo
O que vier vai começar a ser o fim
(Renato Russo)

A primeira frase de um livro – e de qualquer outro texto, seja jornalístico ou publicitário – deveria ser as palavras mais bem elaboradas que um autor poderia pensar. O início de qualquer texto tem que prender o leitor com algemas. Sem resistência à prisão. Cheguei a pensar em modificar o início d’O Pianista do Silencioso depois de ler A Sangue Frio. Achei que faltava no começo meu livro a objetividade de Truman Capote. “A aldeia de Holcomb fica situada no meio dos planaltos de trigo, no Oeste do Kansas, numa área isolada que os demais habitantes do estado chamam ‘lá para diante’”. E basta isso para mostrar que o lugar é perdido no meio do nada. Indiscutível que as frases iniciais de todos os livros Gabriel Garcia Marquez são os melhores começos de livro de toda a literatura. Impossível não querer saber sempre mais ao ler, por exemplo, a primeira frase de Cem Anos de Solidão. “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. Há contrários também. O pior começo de livro que tive o desprazer de ler foi o de Onze Minutos, de Paulo Coelho. “Era uma vez uma prostituta chamada Maria. Um momento. ‘Era uma vez’ é a melhor maneira de começar uma história para crianças, enquanto ‘prostituta’ é assunto para adultos”. Sim, o começo é realmente infantil. No pior significado da palavra. Mas para mim, o melhor começo de livro de todos os tempos – e haverá de sê-lo por séculos enfim – é o de Memórias Póstumas de Brás Cubas. É tão bom que já começa perfeito na dedicatória: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. E não precisa dizer mais nada. Mas Machado diz e diz muito bem.