Love me true

Nasci no final da tarde do dia 21 de agosto, numa casinha velha de número 1.116 de uma avenida chamada Norte, localizada – veja você! – ao Norte do município de Arapiraca, no agreste alagoano. Talvez por isso, sempre que estou sem rumo, lembrar desse lugar é fundamental para me devolver o sentido. Por ironia, no momento em que me era concedido o sopro da vida, o tufão Anita – com um sopro muito maior – arrasava o Sul e Oeste do Japão, bem longe de mim, para alegria do meu pai, que celebrara a chegada do primeiro filho fumando, todo cheio de si – e de fumaça –, um cigarro Arizona sem filtro, como a dizer “eu sou f#da!”. Naquela época, os amigos do seu Benedito já faziam piada do tipo “a televisão queimou?”, em alusão à chegada do herdeiro. Mas não havia televisão em casa, fato que fazia minha avó, que morava conosco na época, ir ver os capítulos de Irmãos Coragem na casa da vizinha, num aparelho Telefuken. A novela dirigida por Daniel Filho era a sensação da televisão brasileira, com cada capítulo custando cerca de Cr$ 8 mil, cifra muito, mas muito acima dos 187,20 cruzeiros que meu pai ganhava de salário mínimo. No início, “Irmãos Coragem era encarada com desprezo pelas pessoas mais cultas. Até que descobriram o grande teórico da comunicação de massas, Marshall McLuhan, e perceberam, então, que a novela comunicava”, diria o diretor na edição da Veja de 26 de agosto de 1970. Sim, a Globo já fez novela inteligente, em que era preciso recorrer à Academia para explicá-la. Não sei como fui parar em Arapiraca. Mas como os brasileiros temos descendência africana, é bem provável que a cegonha tenha pego carona de volta no lançamento do primeiro voo da Varig para a África, na rota Rio de Janeiro–Luanda– Johanesburgo, a grande sensação da aviação brasileira naquele 21 de agosto. O que sei é que, na primeira noite do primeiro dia em que cheguei ao mundo e minha mãe ensaiava a primeira canção de ninar de sua vida, Elvis Presley fazia a segunda apresentação da temporada iniciada no dia anterior, em Las Vegas, cantando versos como “Love me tender/ Love me true,/ All my dreams fulfilled”. Se naquela época eu conhecesse o Rei do Rock, juraria que ele havia plagiado a canção de ninar da minha mãe, dada a ternura e amor com que ela me falava através da melodia, embalando o filho recém-chegado...

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    # by Débora Guedes - 5:34 PM

    Não sei como você foi parar em Arapiraca, mas graças a Deus, a vida o norteou para perto de todos nós.
    Lindo texto! Li ouvindo o som do Elvis.

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    # by Márcia - 11:04 PM

    Por tudo isso, hoje és um artista!?
    Gosto de ler teus escritos.