Amigos do livro

“A gente não faz amigos, reconhece-os”.
(Vinícius de Moraes)

Os primeiros amigos que a literatura me deu foram as personagens dos livros que li, desde a infância. Vieram, primeiro, em forma de cordel trazidos pelo poeta João Cabocolinho e deixado com a minha avó, que depois me repassava carinhosamente. Foi assim com “Pavão misterioso”, “O Cachorro dos mortos”, “As proezas de João Grilo” e tantos outros. Através dos livretos, imaginava-me parceiro de aventura de tantos heróis – e anti-heróis – picarescos. Depois, com os clássicos da literatura brasileira, que ia devorando noite adentro, burlando a lei paterna de apagar a luz às 22h, fui (re)conhecendo outros reinos não menos encantadores, sempre pela mão amiga do protagonista e sua fauna feita de palavra e imaginação. Somente mais tarde veio a fase das biografias. E pelo tempo que durou a leitura, me fiz amigo de gente como Vinícius de Moraes (“O Poeta da paixão”), Garrincha (“A Estrela solitária”), Assis Chateaubriand (“Chatô, o Rei do Brasil”), Nelson Rodrigues (“O Anjo pornográfico”) e Graciliano Ramos (“O Velho Graça”) – só para citar alguns. Porém, foi quando a amizade saiu do campo literário para o real que percebi como os livros são responsáveis não apenas por formar leitores, mas por arregimentar amigos. Foi graças ao mestre Ramos – sem trocadilhos – que conheci Sylvio Back, um apaixonado inveterado pelo cinema brasileiro, com seus 71 filmes no currículo, fato que dispensa apresentação. Trabalhando em duas obras sobre o autor de “Vidas secas”, Sylvio Back acabou esbarrando em mim, depois de descobrir que também escrevo algo sobre o ex-prefeito de Palmeira dos Índios. Nos conhecemos pessoalmente e desde então desatamos a falar de Graciliano Ramos.  Num desses encontros, fomos parar em Palmeira dos Índios – eu, ele, o Léo Villanova e o Paulo Henrique (PH), que produz os dois filmes e é outro amigo que ganhei com os livros –, atrás da ‘alma’ do criador de Luís da Silva, Paulo Honório, Fabiano e tantos outros. Há uma semana, Back retornou (com trocadilho) a Alagoas – junto com o PH –, para dar prosseguimento aos projetos. E mais uma vez me ligou. Fiquei sabendo – durante o almoço que tivemos – dos filmes, que estão trilhando seu curso natural.  E fiquei feliz que Graciliano Ramos tenha despertado o interesse de alguém que faz cinema como quem sonha. Confesso que fiquei igualmente feliz no último domingo, quando abri meu e-mail e vi uma correspondência do amigo cineasta, um dia depois de deixar o Estado. “Querido amigo Nealdo, bom domingo. Foi, novamente, uma beleza nosso reencontro. Este tem a finalidade de agradecer suas imediatas providências e contatos...”. Terminei de ler o e-mail e me lembrei das conversas em torno de Graciliano Ramos e – consequentemente – dos filmes que estão sendo produzidos. E agradeci pelos amigos que a literatura me fez encontrar. (Tá, confesso que acabei rindo ao imaginar como é que o PH conseguiu pegar o voo no outro dia, depois de ter chegado da farra que fizemos juntos, às cinco da manhã. Mas isso é assunto para outro texto).