Teoria da inspiração – ou de como o branco invadiu as ruas

Acontece assim: de repente, não mais que de repente, o executivo de uma grande montadora para de ouvir o Vinícius no iPhone e olha demoradamente, através da janela de sua sala, para o pátio da indústria, onde milhares de carros – a maioria branca – descansam feito ovelhinhas indefesas no pasto. “Preciso encontrar uma maneira de desovar isso”, pensa, desviando-se dos versos do poeta como quem se desvia de veículos na lentidão do trânsito. O ano já corria para o fim e as vendas despencavam como folhas outonais. Só que no verão. “Era preciso fazer algo urgente”, quis pensar, mas foi atrapalhado por um “você tem razão de correr assim” que saía do iPhone. E ele correu. Ligou para a secretária e pediu para reunir os diretores. Rápido. E enquanto esperava, ficou olhando as ovelhinhas de duas e quarto portas no pátio. “Pede perdão pela duração dessa temporada...”, parecia escarniçar o poeta, bonachão. Os outros executivos o encontraram cantarolando a letra da música. “Mas não diga nada que me viu chorando”, ele falou, enquanto enxugava a lágrima que lhe riscava o rosto. A turma entendeu o recado, menos o estagiário, que chegou atrasado, e corou. “Precisamos queimar esse estoque urgentemente”, disse, abrindo a reunião. “Fizemos carros brancos demais este ano”, continuou. Alguém justificou: eram os modelos preferidos de empresas, taxistas, hospitais, escolas etc. Mas o mercado andava acuado feito criança que tem medo de escuro. “É preciso, pois, clarear o mercado”, ele buzinou. Mas ninguém sabia como. “E se puder me manda uma notícia boa...”, gritou o Vinicius, do iPhone. Quem mandou foi o estagiário: “Planta nos jornais que o branco está na moda”. Ninguém entendeu. “Fala que a elegância do branco vai ser a nova tendência do mercado, coisa assim, sei lá”. Todos emudeceram; o estagiário empalideceu como os carros que quaravam lá fora. O executivo aplaudiu. Não o estagiário – que executivo não aplaude estagiário – mas a desempenho do poeta no iPhone. Mas comprou a ideia do rapaz, pagando com um "muito obrigado". E deu ordens para que pusessem a sugestão do moleque em prática. “Antes que um aventureiro lance mão...”, recomendou Vinícius melodiosamente. Antes de terminar a reunião, ordenou que todos os diretores fossem pra casa de carro branco. O modelo mais caro, que era para impressionar os consumidores e os jornalistas. E naquela noite, foi dormir contando carneirinhos. Que saíam, um por um, do curral da montadora.