Queimando o filme

Febre do Rato, do diretor Claudio Assis: prêmios em Paulínia
Torço o nariz sempre que leio a grande mídia dizer que o cinema nacional vive um grande momento. Torço principalmente porque discordo de tudo o que li até agora sobre esse “boom” do cinema nacional. Para mim, a arte cinematográfica está embasada, depois de produzida, num duo filme-distribuidor. Se um deles falha, o público fica a ver navios (e nem estou falando do Titanic, o filme com Leonardo DiCaprio, que nem brasileiro é). Refiro-me aos “navios” que, assim como o lendário transatlântico, acabam afundando por falta de visão de quem os comanda. Como muitos profissionais da imprensa costumam engolir dados oficiais sem questioná-los, a minha desconfiança fica ainda mais de orelha em pé, cercada de pulgas. E tenho motivos para isso. De acordo com o Informe de Acompanhamento de Mercado da Agência Nacional de Cinema (Ancine), o número total de ingressos vendidos para filmes nacionais em 2011 foi de 18 milhões, o que gerou uma renda bruta de R$ 163 milhões. Bom, não? Depende. De acordo com a agência, somente os filmes De Pernas pro Ar, Cilada.com, Bruna Surfistinha e Assalto ao Banco Central arrecadaram, juntos, R$ 94,43 milhões, o que representa mais de 57% de toda a renda do cinema nacional no ano passado. E por que isso não é bom? Ainda segundo o levantamento da Ancine, em 2011, foram produzidos no Brasil 99 longas-metragens – outro recorde para o setor. O País “queima” o filme na hora da distribuição. O documentário E aí, Hendrix?, da dupla Pedro Paulo Carneiro e Roberto Lamounier, por exemplo, foi visto por parcos 80 espectadores. Seu lucro: R$ 815,22. Ele não é o único que sofre da ausência de público. Boa parte dos filmes lançados ano passado teve de se contentar com uma ou duas salas de exibição em todo o País. Foi assim com Ponto Final, estrelado pelos ótimos Roberto Bomtempo, Hermila Guedes e Othon Bastos; e Embargo, uma co-produção entre Brasi, Portugal e Espanha baseada num conto de José Saramago, só para citar alguns. Percebe-se claramente que os distribuidores preferem apostar em formas enlatadas. Conseqüência disso? Mandamos geralmente a mesma “qualidade” de filmes para concorrer a uma vaga na disputa do Oscar. Colocar um filme como Tropa de Elite 2 para disputar uma vaga de Melhor Filme Estrangeiro é fechar os olhos para um cinema autoral que está sendo feito País afora, mas que esbarra no malfadado problema de distribuição. O filme de José Padilha não é ruim, mas não é uma obra essencialmente brasileira. Antes, bebe da fonte hollywoodiana, para não dizer que a copia descaradamente. Tecnicamente, é um filme cheio de clichês da escola de cinema americana. E disso os americanos estão fartos, o que o tornava, desde sempre, sem chances para disputar a estatueta com obras-primas como a iraniana A Separação, a grande favorita a levar o homenzinho dourado. Isso significa que somos um País sem identidade? Definitivamente, não. Mas somos manipulados pela estética da Rede Globo – controladora da Globo Filmes, a grande ‘dona’ do cinema brasileiro atualmente –, que faz de fiascos como De Pernas pro Ar e Cilada.com se tornarem campeões de bilheterias. Enquanto isso, Uma Longa Viagem, o filme de Lúcia Murat vencedor do Festival de Cinema de Gramado no ano passado ainda está sem data de estreia por falta de distribuidor. Assim como ele, Febre do Rato, aclamado longa-metragem de Claudio Assis, vencedor do Festival de Cinema de Paulínia do ano passado, “dorme” o sono dos injustiçados, à espera de salas disponíveis para que possa ser exibido. Com sorte, consegue. 
Baile Perfumado: batizado de O Baile do Perfume
Para se ter uma ideia de como os poderosos da indústria de entretenimento – se é que se pode falar de uma indústria brasileira de entretenimento – tratam o nosso verdadeiro cinema, basta dizer que O Baile Perfumado, da dupla Paulo Caldas e Lírio Ferreira, nunca foi lançado em DVD. Em 2007, por ocasião da exibição de seu longa Deserto Feliz no Festival de Cinema de Gramado, perguntei ao diretor sobre a possibilidade de O Baile... ser disponibilizado em DVD. “Já questionei a produtora sobre isso, mas até hoje não obtive resposta. Na época, fazia uma década do lançamento do filme que é considerado o marco da retomada do cinema brasileiro. Hoje, lá se vão 15 anos. O máximo que saiu sobre o filme até hoje foi uma cópia pirata que é vendida no Centro de Maceió com o risível título de O Baile do Perfume, copiado do extinto formato VHS. Risível porque o próprio Paulo Caldas achou engraçado a troca do nome. Talvez tenha se reconhecido na troca que ele próprio fez com seu “Deserto Feliz” (sim, o título do filme seria uma homenagem à cidade alagoana de Feliz Deserto. “Há tempos, cruzando Alagoas de carro, vi a placa com o nome da cidade e achei poético. Guardei-o na mente, mas na hora de titular o longa, me atrapalhei”, contou-me em Gramado, rindo pelo equívoco). Nesse Titanic que é a indústria cinematográfica brasileira, os diretores que fazem filmes de identidade nacional são apenas pequenos marinheiros que nadam, nadam para não morrer na praia. Um pena porque, enquanto o cinema brasileiro priorizar o besteirol, o nosso Oscar sempre irá para a lata do lixo.