Diário de Borda em... Energia

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Dizem que é de fraqueza. Eu admito. Estou tão fraco que ando bocejando na linguagem de sinais, por falta de força para abrir a boca. Há dias que não trabalho. A companhia de luz resolveu brincar de esconde-esconde com a energia. No escuro, para dificultar a procura. Meu computador queimou na última queda de luz. Tentei explicar ao dono da pizzaria que não daria para adiantar a escrita do Manual do Onanista, por enquanto. Ele me mandou usar a mão. Para passar o tempo, decidi ler a Bíblia, em busca de luz – já que a companhia não me fornece. “E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia”, dizia o texto sagrado. “E às trevas chamou Eletrobras Alagoas”, emendei. Desviei o olhar das escrituras porque um vaga-lume pousou na minha janela. Ficou piscando pra mim.  O que é estranho, porque há anos que ninguém pisca pra mim. Uma vez, minha vizinha disse que a ideia de Deus era criar um inseto com luz permanente. Vai ver que Ele entregou o projeto à companhia de luz, disse pra ela. Que não gostou e me esbofeteou. Vi estrelas. Minha vista escureceu. De fraqueza. Minha e da companhia de luz, que voltou a interromper o fornecimento. Achei que tivesse morrendo, quando vi um vulto vindo em minha direção, segurando uma vela. “É de luz?”, perguntei, receoso de que fosse um anjo vindo me buscar. “Não, é da Eletrobras”, ele respondeu. Senti-me mais aliviado. O homem não consertou a energia, mas me deu a vela de presente. “Você vai precisar dela”, ele disse. Metade dela gastei pedindo ajuda aos santos. A outra metade preferi economizar. Para quem não sabe, a diferença entre a companhia energética e uma tragédia é que, na tragédia, há sempre uma luz no fim do túnel. Pensei nisso quando decidi fazer um patê de foie gras com a sopa de letrinhas que sobrou de ontem. Não sou gourmet. É que sobraram muitas vogais. Daí o foie gras. Com esforço dava até para sentir o cheiro de fígado. Pelo menos foi o que a vizinha disse, quando veio me pedir desculpas pela bofetada. Desconfiado, ofereci-lhe a outra face. Vi isso na Bíblia. Ela preferiu a sopa de letrinhas. Então peguei a outra metade da vela que o técnico da luz deixou e a pus sobre a mesa. E se o escuro não estiver de brincadeira comigo, juro ter visto alguém piscando pra mim. E não era o vaga-lume. 

  1. gravatar

    # by Luiz André - 10:21 PM

    Esse seu redator é impagável, meu amigo! Que saga!