Diário de Borda em... Lavoisier

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Estou tão fraco que fui ver meu reflexo no espelho e ele estava caído no chão. Esqueci de dizer, mas moro num bairro violento. Tão violento que a prefeitura criou uma seção de Linchados & Perdidos. O problema é que, no meu bairro, nada se perde, tudo se transtorna, numa espécie de Lei de Conservação das Massas às avessas. Conservação no formol, entenda-se. Lá no Instituto Médico Legal, um lugar que se você tiver de visitar, faça-o na vertical. E com as próprias pernas, de preferência. O que quero dizer é que no meu bairro só não se nada e morre na praia por falta de praia. Porque morte é o que não falta. Outro dia, os moradores tentaram se reunir com o governador – um cidadão envolvido com álcool. Filho de usineiro, sabe como é. Nomearam-me porta-voz. Justamente num dia em que eu estava afônico. Para me prevenir, fui com um colete à prova de malas. “Podemos roubar um minutinho do seu tempo?”, perguntei ao chefe de Estado. Ele chamou a segurança. Que nos deixou inseguros. E a reunião nem chegou a acontecer. Continuo sem gás. Eu e o fogão. Minto. Eu, o fogão e o resto de coca-cola que dorme na geladeira, à espera de algum prato que lhe faça companhia. Na falta de comida, forrei o estômago com o jornal de ontem. Meio que com medo de tanta notícia indigesta. Chamou-me a atenção o novo levantamento do IPI (Instituto de Pesquisas Incompletas), do magnata das comunicações Giovanni Carneiro: “Véspera do Dia da Mulher, o IPI revela números alarmantes sobre a atual situação: 3 em cada 5 mulheres”. Essa minha fome de leitura ainda me mata. Aproveitei para levar jornais velhos para o seu Francisco, que usa as páginas onde escrevo para embrulhar peixe. Queria descolar grana. Descolar grana e o estômago, que continua colado nas costas. Ele me pagou em pescado, que vendi para uma grã-fina de olhos de mar. Deu até pra ver as meninas dos seus olhos surfando. De biquíni. Mas abri os olhos. Não os dela, os meus. Com o dinheiro, comprei o gás. E fiz um penne à putanesca com a sopa de letrinhas. Tentei, pelo menos, mas faltaram letras. Só consegui formar um penne à puta. Comi mesmo assim. Pensando na grã-fina de olhos de oceano.