Diário de Borda em... Ghost writer

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Antes andava em letras garrafais – enorme –, mas era uma vez as garrafas. Hoje, sobraram apenas as letras. Da sopa com que me alimento, quando dá. Estou tão fraco que ando levando tapa até de maneta. Esqueci de contar, mas adoro ler. Tirei o fim de semana para terminar um livro que havia iniciado há tempos, mas estava esquecido na estante. E restou apenas ele quando vendi a estante, para comprar as minhas sopas de letrinhas. Aproveitei a chuva para ficar em casa, na minha rede social, que é como chamo a minha rede de balanço, porque dá pra dois. Devo dizer que choveu tanto que fiquei imaginando cair um pedaço da arca de Noé sobre a minha cabeça a qualquer momento. Meu vizinho até me convidou para ver o amistoso entre Boca e Peru, mas não consegui imaginar nada além de sexo oral, entre Boca e Peru.  Preferi ficar em casa. O livro era tão bom que me fez entrar na história. O problema é que fiquei trancado nela. Pelo lado de dentro. Descolei outro freela. Na verdade eu deveria dizer colei, porque se tratava de um anúncio de cola. Kama. Esse era o nome que dei para o produto. Deitei e rolei no anúncio, que falava de como é difícil se descolar da cama, depois de uma boa noite de sono. Sei, não era lá grande coisa. Fiz o texto com o pensamento do “se colar, colou”. Colou, pelo jeito, porque o dono da cola me pagou feliz. Em cola. Uma caixa cheia. Nada mal se o meu estômago já não estivesse colado nas costas. De fome. Aproveitei um dos anúncios que fiz e colei na porta de casa, anunciando a venda do produto. Mas descolou rapidinho, porque usei o próprio produto. Que era de quinta. E eu estava apenas na segunda-feira. “Kama. Com ela, você deita e cola”, dizia o título. Ligaram-me da pizzaria avisando que não será preciso eu ir hoje. Achei estranho, porque nunca vi uma pizzaria ligando pra você. No meu caso, pensei que fosse trote, já que eu não tenho dinheiro para pedir pizza. Mas o dono me permitiu ficar em casa, desde que o ajudasse a desenvolver uma ideia para O Manual do Onanista, livro que ele escreve a quatro mãos. “A seis, se você topar”, disse a secretária da Ex-Fome Ado. Resolvi dar uma mãozinha. Ele me enviou umas fatias de pizza. E agora estou aqui, masturbando um texto difícil de sair...