Diário de borda em... Solidão

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Antigamente vivia em negrito, corpulento. Pero la cosa se volvió negrita. Não, não sei espanhol. Vi isso numa propaganda de carvão na TV. Do vizinho, porque a minha só pega o canal da mancha. É assim que chamo a imagem borrada que aparece quando a ligo. Ando doente do bolso. Atualmente, minhas economias vêm sofrendo de todo mal. Com exceção de febre. De consumo. Ando tão fraco que outro dia ouvi um músico dizer que iria dar uma canja num barzinho, e fui correndo para lá, achando que ele fosse distribuir caldo de galinha com arroz. Há pouco tentei formar uma paella com o resto da sopa de letrinhas que sobrou de ontem. Faltaram o ‘P’, um ‘A’, o ‘E’ e um ‘L’. Imaginei algum prato com o ‘L’ e o ‘A’ que restaram. Mas a fome estava comendo o meu juízo. O máximo que consegui foi um ‘al’. Portanto, o jantar foi sopa al dente. Nessas horas, o importante é não se render. Por isso me orgulho em dizer que nesses tempos difíceis, nunca me vendi ao sistema. Não que eu não quisesse. O sistema é que sempre achou que não valho nada. Resolvi dar tempo ao tempo. Dar não, que minha situação não permite. Emprestar. Aliás, se tempo fosse dinheiro, como dizem, eu estaria milionário, porque tempo é o que não me falta. As dívidas acumuladas têm me feito dormir pouco à noite, ultimamente. As dívidas e a vizinha da esquerda, que decidiu estudar inglês de madrugada. Noite dessas acordei com seus gritos de “Oh, Yes! Oh, No! Oh, my God!” e uma frase que não entendi bem, mas era algo como “The fuck is on the table”. A infeliz não se contenta em estudar sozinha, quer passar a lição pra rua inteira. Acho que tem medo de levar pau no fim do ano, como se diz na minha terra. Fui reclamar. Ela não achou bom. Chamou-me de ranzinza, disse que eu precisava de companhia e sugeriu que eu comprasse uma boneca inflável. Não entendi bem, mas fiquei pensando no fato de ser sozinho. Vai ver que ela está certa, pensei. E decidi comprar a boneca. Arrependi-me na primeira noite em que cheguei do trabalho tarde. A infeliz estava lá, no meu quarto, com a bocarra escancarada. Quase me mata de susto. Peguei ar. E decidi secá-la. 

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    # by Luiz André - 1:50 PM

    Você é mesmo um filho-da-puta talentoso, meu caro Nealdo! Espero que o texto seja só ficção.

    Esse redator desempregado no estilo telegráfico Ed Morte merece - exige - continuação.

    Abraços!

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    # by Luiz André - 2:02 PM

    kkkk! Agora que eu vejo que a série já começou. Muitas vivas ao nosso redator!

    Que venham outros episódios!

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    # by Carlos Nealdo - 5:12 PM

    Caríssimo!

    Bom lhe ler por aqui, meu amigo. Saudades das nossas conversas!

    Um abraço!