Diário de borda em... Freela

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Estou tão fraco que meu coração em vez de bater, vive apanhando. Esqueci de contar, mas sou tricolor de coração. Meu cardiologista quem disse, depois de descobrir umas manchas verdes e brancas nele. No médico não, no coração. Três, para ser exato. Aproveitei que meu alvinegro não vai bem no campeonato para trocar de time. Agora, meu coração é tricolor. No sentido figurado. E desfigurado, principalmente. Meu médico me recomendou fazer regime e evitar esforço. É o que tenho feito. Sem dinheiro, não faço esforço algum para passar fome. E só não digo que mato dois coelhos com uma cajadada só porque, aqui em casa, coelho está difícil de aparecer até em ditado popular. Por falar em aparecer, há dias que não apareço no jornal. É que descolei um freela no Instituto de Pesquisas Incompletas, do magnata das comunicações Giovanni Carneiro, que ficou de bode quando descobriu que 67% das mulheres são. Entreguei-lhe o rela e ele prometeu me pagar assim que eu entregasse o tório. Quem não gostou foi seu Francisco, que usa o jornal em que escrevo para embrulhar peixe. “Agora, todo mundo vai saber que vendo peixe estragado”, lamentou ele, numa ligação que fez pra mim. A cobrar, como se algum dia eu fosse pagar. Sugeri que ele usasse a Caras para embrulhar as vendas, mas ele não gostou. Disse que a revista só tinha gente fresca. “Contrastava com o pescado”. Para disfarçar o mau cheiro, seu Francisco embrulha o peixe com páginas policiais. O cliente espreme, sai sangue. Que ele jura ser do peixe. O cliente duvida, mas acaba levando. Não pelo peixe, mas pela notícia fresquinha do cadáver estampado em seis colunas. Tive que desligar o telefone. Para economizar na conta e porque a água da sopa de letrinhas estava fervendo. Estava decidido a formar uma carne ao creme de morangos com as letrinhas quando a campainha tocou. Era um mendigo, pedindo comida. Sugeri dividirmos a sopa. Não me incomodava de ficar com o creme de morango. Mas ele não gostou da ideia. Disse que era analfabeto, não conseguiria sentir o gosto da carne. Deu as costas e foi embora falando palavrão da minha sopa de letrinhas. Não o recriminei. Para mim, a culpa era do MEC. Donald’s. Será o cardápio de amanhã. Se eu conseguir formar um Big Mac com as letras que restaram da sopa.