Diário de borda em... A Engrega

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Estou tão fraco que não consigo nem bater as botas. Por falta de botas. Nunca contei, mas moro só. Minha mãe falava que antes só do que mal acompanhado. Nunca entendi o que ela quis dizer com isso, até porque eu sou uma péssima companhia para mim. “Quem com porcos anda, farelo come”, ela emendava, para explicar o ditado anterior. Lembrei-me disso outro dia e saí desesperado pela cidade procurando porcos, doido pra comer farelo. Já não aguento mais tomar sopa de letrinhas. Meu intestino anda tão viciado que agora só faz cocô em ordem alfabética. No jantar de ontem, quase consigo formar um franco com catupiry com as letrinhas da sopa. Mas me lembrei que não tinha comprado a sopa. O desejo de matar a fome foi por água abaixo. Goela abaixo, para não desperdiçar a água. Por isso aceitei o emprego de entregador de pizza. Sinto falta de companhia feminina. A última que tive foi no carnaval. Mas não vale porque eram todos homens travestidos de mulher. Ultimamente, tenho demorado no banho. O resultado é que não sei como fazer para pagar a conta de água. Esse mês, a companhia me cobrou R$ 50 reais extras, à guisa de taxa de autoerotismo. Pelo menos era o que dizia o texto legal, no pé da conta. Até hoje não entendo porque se chama texto legal aquelas letrinhas que estão ali para lhe ferrar. Ou seja: de legais, não têm nada. Mas dizem que a culpa é do asterisco, aquele pontinho de cabelo arrepiado, por descobrir coisas que geralmente os consumidores ignoram. O fato é que não me dei bem com a motocicleta que o dono da Ex-Fome Ado me entregou. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Por isso que só consigo fazer curvas para a direita. A sorte é que não precisei virar à esquerda para entregar a pizza de aliche que ele me entregou. Oito fatias que não me cheiravam bem. Não a pizza, mas o cliente. Só me dei conta que era minha antiga agência quando toquei a campainha e meu cérebro soltou um “se toca”. A secretária siliconada veio abrir a porta. Propaganda enganosa, disse, apontando para os seus seios. Apontando com os olhos, porque minhas mãos estavam ocupadas com a pizza. Ela me levou na sala de arte. Ninguém notou quando entrei. Todos concentrados, tentando encontrar um nome para o primeiro cemitério vertical da cidade, a ser lançado em breve. “Edifício Ter um Vivo”, falei, morto de fome, olhando para a pizza, cujo cheiro puxava meu nariz desaforadamente. Eles gostaram da comida, mas se deliciaram mais ainda com o nome do empreendimento. Até ganhei uma fatia do meu ex-patrão, que quis saber o que eu fazia ali, vestido com o uniforme da Ex-Fome Ado. Pesquisa de mercado, eu falei, de boca cheia. Para um novo produto que será lançado em breve. Lançado para bem longe de mim, certamente, pensei comigo. E dei as costas. Dei não, que não estou numa situação de doar. Vendi as costas. Agora, ando com o nome da agência estampado na parte de trás do uniforme. Sou redator. Desempregado. Em busca da tal fatia de mercado.