Diário de Borda em... Salva-Vidas

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Os amigos dizem que é de fraqueza. Franqueza? Preferi consultar o Aurélio. “Fraqueza: pendor ou inclinação irresistível”. Faz sentido. Ando inclinado que nem a Torre de Pisa. A diferença é que ela não sai do lugar. Eu também não, porque ando em círculo. Mas ninguém vai à Itália me visitar. Nem me encontraria por lá. No dia em que inventaram o ditado “quem tem boca vai a Roma”, puseram um asterisco e um texto legal no pé da página em que estava escrito: esse anúncio não vale para redatores desempregados e pobres. Referiam-se a mim. Nasci pobre, por incrível que careça. Estou tão fraco que não consigo chorar mais nem sobre o leite derramado. Por falta de leite. Não sei se já falei, mas moro em frente a um bar. O Salva-Vidas. É lá que afogo as mágoas. Eu que dei o nome. O proprietário, um bombeiro aposentado, me pediu socorro quando decidiu abrir o estabelecimento. Fiz o nome em letras garrafais. E ele me pagou em litros. De aguardente.  De péssima qualidade. Tão ruim que um dia fui jogar uma dose pro santo e ouvi uma voz dizendo “precisa não”. Eu me assustei. Olhei pro céu. A voz não era do santo. Mas era de um padre, seu bastante procurador aqui na Terra. O que o padre fazia lá? Foi dar a extrema-unção a um bêbado que morreu sobre a mesa. De cachaça. Da má qualidade dela, melhor dizendo. Mas gosto do lugar. Minto, prometi frequentá-lo somente até terminar de beber meu pagamento, a quem chamo de lucro líquido. Vou ao Salva-Vidas quando sinto saudade do passado. Fico bebendo e costurando os retalhos da minha vida com linha do tempo. Às vezes me espeto com a agulha imaginária e volto à realidade. O dono adora conversar sobre história do Velho Continente. Sabe tudo da França.  Não pode ver uma guilhotina que perde a cabeça. Tem um ajudante, o Meio-Litro, anão e ex-funcionário de uma fábrica de velas que foi demitido porque fazia cera. Demitido por justa pausa. Dizem que é a imagem do pai. Em carne e moço. O infeliz do anão gosta de me ver “alto”. Diz que sou melhor quando estou bêbado. Tudo em mim se acentua, diz ele, inclusive esse defeito de andar em itálico, assim, pendido pro lado. Hoje senti saudade do passado. E me fiz presente no Salva-Vidas, que fica em frente da minha casa. Estou bêbado. Vendo o mundo rodar. Há horas que espero a minha casa passar por mim para pegar uma carona...

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    # by Débora Guedes - 5:03 AM

    Fazia tempon que eu não dava tanta risada. kkkkkkkkkkkk. Você é fantástico! Já apresentei eu blog e seu livro a um jornalista que conheci. Pq vc é assunto para pessoas que estão começando a conversar. Não, você, você, mas o seu blog. MOrri de ri. Ressucitei para rir de novo. E na próxima encarnação, por favor, me ache. Não serei a mesma sem teus textos.

    Beijocas.