A flor do meu segredo
Eu devia ter uns 13 anos quando me apaixonei irrecuperavelmente
pela primeira vez. A menina tinha mais ou menos a mesma idade e, embora nos
víssemos todos os dias, pois morávamos no mesmo bairro, ela desconhecia o que
se passava no meu coração. Na verdade, devia imaginar, porque o apaixonado vai
deixando rastros pelo caminho para facilitar o trabalho do cupido que, no meu caso,
nem sabia da minha existência. O jeito era amar calado como quem ouve uma
sinfonia de silêncios e de luz — numa época em que Nelson Motta nem
sonhava em ser parceiro do Lulu Santos em "Certas coisas". Eis que certo dia um amigo percebeu
minha inquietação e quis saber o que estava acontecendo. Para facilitar a
confissão, me ofereceu um copo generoso de batida de maracujá. E mais outro e
mais outro e mais outro. Em determinado ponto, com meus sentimentos destilados — nessa altura meu coração já boiava
entre o gelo o maracujá —,
confessei minha paixão.
— E
por que não se declara para ela? — questionou meu amigo.
—
Porque tenho medo de perdê-la — respondi.
—
Perdê-la como, se você nem a tem?
Sempre que vejo propaganda de trânsito sobre os perigos de se
dirigir sob o efeito do álcool, me lembro do quão perigoso é beber e amar. Nas
estradas que levam ao coração deveria ter uma série de avisos do tipo “se beber,
não ame”. Mas eis que embriagado mais de álcool do que de amor, fui bater à
porta da menina, para enfim confessar a flor do meu segredo — como num melodrama de Almodóvar. Ela ouviu em
silêncio, agradeceu por meus sentimentos, mas disse que não tinha interesse em
mim. Voltei para casa em ziguezague — e já não sabia se era do efeito do
álcool ou da desilusão. Para piorar, meu pai percebeu que havia bebido e me
bateu. Não admitia que um filho bebesse aos treze anos. Eu chorava feito bebê,
mas não era pela pisa. As pancadas de desamor doíam mais que as lambidas do
cinturão nas minhas costas. No outro dia, as dores do corpo desviaram o foco da
alma surrada. E naquele dia tomei uma decisão que mudaria para sempre a
minha vida: deixei definitivamente de beber batida de maracujá. Porque já era
tarde demais para deixar de amar.
This entry was posted on 14 de janeiro de 2015 at 1:02 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
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