Caindo a Ficha
Não sei exatamente quando ouvi falar em Torre de Babel pela primeira vez, mas sei que foi há muito tempo, ainda na época da infância. Na minha cabeça de menino, Babel era uma princesa que morava numa torre, igual às moças dos contos-de-fada enclausuradas pelas madrastas em palacetes fantasmagóricos.
Fui crescendo e esses pensamentos caindo por terra, mas confesso que preferia a magia das histórias infantis à metáfora bíblica, mesmo sabendo da possibilidade de encontrar um dragão vigiando a princesa – ou encontrar um monstro preso na torre, se achando uma verdadeira rainha.
Com o tempo, o verdadeiro sentido de torre de babel foi ficando cada vez mais claro, e a princesa que teria dado o nome ao monumento bíblico sumindo definitivamente da minha mente, que teve de se ocupar com coisas menos interessantes.
Outro dia, vendo um filme em que uma mulher americana tentava fazer compras num supermercado japonês, sem entender uma palavra – ou melhor, sem entender uma letra – do que estava escrito no rótulo, me remeti mais uma vez à Torre de Babel (a bíblica). Confesso que fiquei angustiado com o “sofrimento” da mulher diante das palavras nipônicas e até me pus no lugar dela, numa experiência nada agradável.
Não precisei sair do País para viver uma experiência babélica. Muito menos me deparar com outro idioma. Tudo aconteceu no terreno da língua portuguesa. Quando fazia universidade, dividi um quarto numa Residência Universitária com um angolano, o Elísio, uma figura que se encantou pela música brasileira – para meu desespero, que tinha de ouvir o dia inteiro, durante os sete dias da semana, a mesma música, que ele se cismou de gostar.
Certa vez, o Elísio chegou no quarto procurando por algo que nunca ouvira falar:
- Você sabe se aqui há ficha tripla?
- Ficha o quê?
- Ficha tripa.
- O que é isso?
Nem ele sabia como se chamada o troço em Português do Brasil nem sabia explicar o que procurava. E a minha ficha lá, ainda sem cair, enquanto o angolano insistia.
- Preciso de uma ficha tripla.
- O que diabos é ficha tripla?
Nesse momento o quarto já era visitado por outro residente, e mais outro, e mais outro. E a todos eu perguntava:
- Você sabe o que diabos é ficha tripla?
A coisa foi ficando séria. Alguns gaiatos começaram uma enquete por toda a residência, para saber se algum maluco sabia o que era uma ficha tripla (teve um que apareceu com três fichas de orelhão, que hoje nem existe mais), mas só fez aumentar a impaciência do angolano.
O episódio aconteceu há mais de doze anos, mas ainda hoje, quando lembro de confusão entre línguas, a primeira imagem que me vem à mente é de uma ficha tripla gigante, caindo sobre a minha cabeça. Não duvido nada que tenha sido a partir daí que surgiu a expressão “caindo a ficha”.
This entry was posted on 16 de julho de 2005 at 12:15 AM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
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