Duda, o Pensador

Há tempos alimento o sonho de escrever um Dicionário de Frases Feitas. Ao contrário da grande maioria que torce o nariz para o assunto, sou dos que consideram o tema de primordial importância. Não fossem elas, a bem da verdade, esta crônica nem existiria. Melhor: sequer haveria comunicação.

Falem o que quiser, mas há palavras que nasceram uma para a outra. Mal comparando, as frases prontas estão para a língua portuguesa como o arroz e o feijão estão para a culinária brasileira: separados, não teriam a menor graça. Um é a cara-metade do outro (usando uma frase feitíssima).

Sinceramente, admiro quem se utiliza das frases feitas. É preciso ter muita cara-de-pau para lançar mão delas (quem nunca usou algo do tipo “isso nunca me aconteceu antes” que atire a primeira pedra).

Os casos são muitos. Jogador de futebol, por exemplo, é campeão em uso de frases feitas. Adora recorrer a elas em entrevista: “Estou treinando bastante para ajudar minha equipe a fazer uma boa partida e conquistar a vitória, que é o mais importante”. O mote é sempre
este (se duvidar, veja uma entrevista de algum boleiro na tevê).

Não conheço ninguém que não faça uso das frases feitas. Minto. Na verdade, quase ninguém, com exceção do Duda — um dos motoristas da Tribuna de Alagoas. Em vez das frases prontas, nosso profissional do volante — uma figura extraordinária, querida por todos da empresa — prefere a palavra feita. Para tudo, ele tasca um “pense”, palavra que tem todos os significados possíveis, dependendo do contexto.

Outro dia, voltando da rua, depois de horas à caça de matéria, comentei no carro que estava com muita fome. O Duda se adiantou e pronunciou um moroso “pense”, querendo expressar algo como “também estou com uma fome canina”.

Pela manhã, se algum repórter comenta o engarrafamento da Fernandes Lima, em vez de debulhar uma ladainha do tipo “esta avenida não tem mais como suportar o excesso de carros que trafegam diariamente por ela”, Duda simplesmente diz “pense”. E a gente entende que o tal “pense” está ali para substituir a longa frase feita.

De tanto usar o “pense”, seus colegas de trabalho sempre se dirigem a ele com a mesma expressão. De manhã, ao chegar à empresa, em vez de um “bom dia, Duda”, o cumprimento, ao cruzar com ele, é um “pense”. E ele entende que estão lhe desejando um bom dia de trabalho etc.

Recentemente, um ladrão invadiu a casa do Duda e levou tudo o que pôde: tevê, som, roupas e o diabo a quatro. Desesperado, o motorista foi à delegacia prestar queixa. Detalhou tudo ao delegado e denunciou um suspeito, freqüentador de sua casa. Depois de tomar pé da situação, o delegado perguntou ao Duda se ele seria capaz de identificar o suposto larápio. Com a resposta positiva do motorista, o chefe da Polícia pôs um capuz na cabeça do Duda, para impedir o reconhecimento por parte do bandido, e começaram a caçada. Depois de rodarem por horas, encontraram o suspeito bebendo num bar, como se nada tivesse acontecido. Duda apontou em sua direção e o delegado, prontamente, foi ao encontro do possível ladrão. Sem nenhuma explicação, tratou logo de algemá-lo.

Encapuzado, Duda acompanhava tudo a distância, até que o bandido, ao se aproximar dele, como se percebesse seu biótipo singular (para não dizer que o motorista está um pouco fora de forma), disparou:

- Delegado, esse é o Duda, né?

Surpreso, o motorista olhou desconfiado para o delegado, meio que sem acreditar no que acabara de ouvir, coçou a cabeça, e se limitou a responder:

- Pense!