Habemus Duda

Confesso que tenho dificuldades com fisionomias. Às vezes, não consigo sequer reconhecer meu rosto diante do espelho. Tudo bem que nessas ocasiões o teor alcoólico — não do espelho, mas meu — dificulta o reconhecimento. Mas na rua acontece a mesma coisa e não são raras as vezes em que isso tem me causado certo constrangimento diante de pessoas que julgava anônimas e, de repente, vêm ao meu encontro como se me conhecessem há anos (e provavelmente me conhecem).

Seria interessante que, nessas horas, houvesse um dispositivo que facilitasse o processo de reconhecimento. Sei lá, um contexto, uma mancha na pele ou alguma frase dita pelo interlocutor que ficasse martelando na cabeça e, bastasse rever a pessoa, a tal frase pularia bem no meio do peito, levando a gente a nocaute.

O Duda — o já famoso motorista da Tribuna de Alagoas — é um exemplo disso. Já foi dito que para tudo ele tasca um sonoro “pense” e não se fala mais nisso. Se o tempo está fechado e comenta-se que vai chover, o profissional do volante simplesmente diz “pense” e fica-se sabendo que virá toró — muitas vezes nem dando tempo de a gente pensar.

Semana passada Duda foi convocado pela Justiça para testemunhar num caso de ssassinato. Fique-se claro que o motorista — incapaz de matar até mosquito da dengue — não tinha nada a ver com a história, a não ser o fato de ter morado, tempos atrás, próximo ao acusado.

Chegou ao Fórum e ficou aguardando sua vez de depor até ser chamado à presença do juiz que, intrigado, não parava de olhar para o nosso amigo. Por sua vez, Duda pensou — claro — que estivesse em maus bocados. E o juiz lá, cabreiro, mirando os olhos do motorista. Até que não se conteve:

— Eu conheço você de algum lugar...

Duda pensou — lógico — que estava arruinado. E disparou:

— Pense!

— Ah, você é o Duda, disse o magistrado, que não só o reconheceu como o dispensou do testemunho.

Amigos mais antigos contam que em 1991, durante a visita do papa João Paulo II a Maceió, a multidão se espremia ao longo do Dique Estrada para tentar ver o Sumo Pontífice. Muitos sequer acreditavam no que estavam vendo. Pela primeira vez na história, um papa visitava Alagoas, o que provavelmente demoraria muito a acontecer de novo.

Antes de chegar ao Papódromo — onde uma multidão o esperava ansiosa — João Paulo II acenava de seu veículo cercado por um forte esquema de segurança. Até que de repente, alguém pergunta, curioso:

— O papa é aquele de branco, acenando pra gente?

— Não sei. Agora que quem está dirigindo o Papa-móvel é o Duda é. Certeza — respondeu outro.

Os mais chegados dizem que o papa comentaria o episódio, anos mais tarde, em várias línguas:

— Thinks it!

— Denkt es!

— Pense! — lógico.