Tem Homem que é Cego
Quando eu era criança, uma das minhas diversões favoritas consistia em brincar de super-herói, embora sempre desse confusão, porque todos os meninos queriam ser o Super-Homem, que tinha a vantagem de ver através das paredes com sua visão de Raios-X. Para nós, não era preciso enxergar através de todas as paredes. A do banheiro feminino bastava. Como os demais, eu também queria ser o Super-Homem, mas descartava a visão de Raios-X – não sei porquê, mas sempre desconfiei que o Homem de Aço não via coisíssima nenhuma através do concreto. Minha desconfiança se multiplicou quando, depois de umas estripulias, fui baixar no hospital com o braço quebrado. Foi quando fui apresentado aos tais Raios-X, uma coisa inventada – vim a saber mais tarde – por um tal de Wilhelm Röntgen, que mostrava os ossos das pessoas. Foi uma decepção. Na minha cabeça de criança, o máximo que eu enxergaria, com a visão de Raios-X do Super-Homem, seriam caveirinhas de saias que não daria sequer para saber se eram meninos ou meninas.Para mim, muito melhor do que ver através das paredes era conseguir enxergar como a minha mãe, que via tudo o que se passava ao seu redor sem precisar mexer a cabeça – já adulto, soube que a esse fenômeno se dava o nome de visão periférica.Eu me intrigava como ela conseguia, em questões de milésimos de segundo, enxergar uma barata que passava a dezenas de metros de distância e, ao mesmo tempo, me policiar toda vez que eu tentava roubar biscoito no armário. “Não é hora de comer besteira”, dizia ela, chegando às vezes a descobrir até a marca do biscoito. “Minha mãe é mágica”, pensava eu, inocente. Com o tempo descobri que mágicas eram todas as mulheres, porque todas, sem exceção, têm essa tal de visão periférica. E, adulto, fui percebendo como somos apanhados em flagrante por ela. Enquanto as fêmeas desenvolveram a capacidade de perscrutar o ambiente sem mexer a pestana, nós, machos em potencial, insistimos na tola visão de Raios-X do Super-Homem, querendo devorar com os olhos todas as mulheres que passem num raio de dez quilômetros. Portanto, nem adianta disfarçar olhando com o rabo de olho (o duplo sentido aqui é indispensável) para o bumbum da mulher que finge não lhe ver. Acredite: antes de você enxergá-la, ela já armazenou na memória todas as informações possíveis sobre o macho que quer caçá-la: da roupa que você está usando ao perfume ridículo que ninguém mais usaria, embora você ache que seja a última moda em Paris. Hoje, se pudesse voltar à infância e tivesse que escolher entre a visão de Raios-X e a periférica, provavelmente meu herói não seria o Super-Homem. Aliás, nem quereria brincar de super-herói porque, provavelmente as meninas que se reuniam no banheiro deviam estar zombando de como éramos tão infantis.
This entry was posted on 11 de julho de 2005 at 5:37 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
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