Trinta Metros de Amor
A cada dia me convenço mais de que o mundo seria muito mais bonito se observado pela ótica de uma criança. Se não mais bonito, mas pelo menos mais doce. Nada se compara ao humor dos pequenos, tão puro quanto eles próprios. Adulto não sabe fazer rir. Basta dizer que fomos nós, crescidinhos, que inventamos a expressão humor negro, como forma de permitir a piada de mau gosto. É certo que também inventamos, da mesma forma, o riso amarelo, para usá-lo – muitas vezes – na tentativa de agradar aos contadores de piadas de baixo nível. Criança encanta até quando fala sério. Outro dia, minha filha Isadora, na altura de seus quatro anos, veio me dar um abraço. Veio assim, sem mais nem menos, simplesmente porque sentia a necessidade de um afago. Apertou-me com seus braços miúdos, beijou-me o rosto e disse: “Pai, eu te amo muito. Eu te amo 30 metros”. Nesses trinta metros estavam incluídos o mundo e o paraíso. Porque tem sido a medida que ela emprega para dizer quando gosta muito de alguma coisa, como um prato da comida preferida, por exemplo. Confesso que foi a declaração de amor mais bem humorada que recebi de alguém. Algum tempo mais tarde, a caminho de casa, ela disse, com olhar disperso no movimento de veículos da avenida, que não queria morrer quando ficasse velhinha. Sem desviar a atenção do trânsito, disse-lhe que isso iria demorar muito a acontecer.
- Primeiro, meu amor, você vai aproveitar a sua bela infância para brincar muito, até se cansar. Depois vai ficar adolescente como a Juliana, sua priminha, e vai gostar muito dessa fase. E depois vai ficar adulta como o papai, vai namorar, casar, ter filhos, cuidar deles...
- Ah, pai, eu já namoro – disse ela, como quem disse: “você não sabe de nada”.
Confesso que não vi o sinal vermelho, muito menos a velhinha que atravessou na minha frente. Só lembro do barulho de uma cadeira-de-rodas caindo ao longe. O carro importado em que bati até que vi, mas não deu tempo de desviar. Mesmo assim, tentei ser natural – pai moderno você sabe como é, né? Tem de fazer das tripas coração para reagir com naturalidade, senão vai ser chamado de coroa antes do tempo.
- Ah, é, meu amor? Que bom! - disse, engolindo em seco.
- É sim, pai. Eu gosto dele e ele gosta de mim.
- E qual é o nome dele? – perguntei, já querendo levantar a ficha do impostor mirim.
- Ele é novo na escola, pai. Chegou faz pouco tempo...
- Legal, meu amor. Papai fica muito feliz – tentei dizer, disfarçando o nó na garganta.
Claro que não me preocupava a história daquele romance – que deveria ter no máximo uns três centímetros, se comparado aos trinta metros de amor que ela nutre por mim – mas por um momento projetei minha filha mais velha. Não foi uma experiência boa. Admito: sou um pai ciumento. Ficamos ambos calados. Ela a contemplar a rua, eu a imaginar o futuro. De repente, como se quisesse quebrar o gelo, ela se voltou pra mim e falou, com sua voz doce e sempre terna:
- Eu te amo, pai.
E eu, querendo ter a certeza de pai ciumento, soltei, ainda meio aéreo:
- Trinta metros?
- Trinta metros, pai...
- Primeiro, meu amor, você vai aproveitar a sua bela infância para brincar muito, até se cansar. Depois vai ficar adolescente como a Juliana, sua priminha, e vai gostar muito dessa fase. E depois vai ficar adulta como o papai, vai namorar, casar, ter filhos, cuidar deles...
- Ah, pai, eu já namoro – disse ela, como quem disse: “você não sabe de nada”.
Confesso que não vi o sinal vermelho, muito menos a velhinha que atravessou na minha frente. Só lembro do barulho de uma cadeira-de-rodas caindo ao longe. O carro importado em que bati até que vi, mas não deu tempo de desviar. Mesmo assim, tentei ser natural – pai moderno você sabe como é, né? Tem de fazer das tripas coração para reagir com naturalidade, senão vai ser chamado de coroa antes do tempo.
- Ah, é, meu amor? Que bom! - disse, engolindo em seco.
- É sim, pai. Eu gosto dele e ele gosta de mim.
- E qual é o nome dele? – perguntei, já querendo levantar a ficha do impostor mirim.
- Ele é novo na escola, pai. Chegou faz pouco tempo...
- Legal, meu amor. Papai fica muito feliz – tentei dizer, disfarçando o nó na garganta.
Claro que não me preocupava a história daquele romance – que deveria ter no máximo uns três centímetros, se comparado aos trinta metros de amor que ela nutre por mim – mas por um momento projetei minha filha mais velha. Não foi uma experiência boa. Admito: sou um pai ciumento. Ficamos ambos calados. Ela a contemplar a rua, eu a imaginar o futuro. De repente, como se quisesse quebrar o gelo, ela se voltou pra mim e falou, com sua voz doce e sempre terna:
- Eu te amo, pai.
E eu, querendo ter a certeza de pai ciumento, soltei, ainda meio aéreo:
- Trinta metros?
- Trinta metros, pai...
This entry was posted on 4 de julho de 2005 at 3:17 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
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